A medicalização da vida social na periferia do capitalismo

Autores

  • Ana Carla Werneque RIBAS Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Faculdade de Serviço Social - FSS, Programa de Pós-Graduação de Serviço Social – PPGSS. Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

DOI:

https://doi.org/10.14295/2764-4979-RC_CR.2025.v5.170

Palavras-chave:

Medicalização, Saúde Mental, Capitalismo, América Latina

Resumo

A presente proposta é resultado da tese de doutoramento, a qual pretendeu analisar a relação entre a superexploração da força de trabalho e o aumento da medicalização nos extratos da classe trabalhadora que acessam os serviços públicos da atenção primária à saúde (APS) no município de Florianópolis/SC. A medicalização da vida social é um fenômeno complexo, trata-se de um debate aberto, reivindicado por diversas posições que refletem distintas formas de conceber a realidade. A temática vem ganhando importante notoriedade acadêmica e social. Não é difícil encontrar na grande mídia notícias que destacam o Brasil como um dos maiores consumidores de psicofármacos e a análise sobre a generalização do adoecimento psíquico na sociedade brasileira. A medicalização da vida social tem como ponto de partida a incorporação ao campo médico de problemas que até esse momento não eram considerados como passíveis de intervenção. Novos diagnósticos e novos transtornos surgem a cada dia, levando-nos a agrupar num mesmo espaço classificatório fenômenos tão diversos e heterogêneos, nesse sentido, a evolução da nosologia psiquiátrica acabou gerando uma sistemática ramificação e flexibilização dos critérios diagnósticos, os quais estabelecem como patológicas formas tênues de sofrimento. O fortalecimento das explicações biomédicas para os comportamentos definidos como normais e anormais, os diagnósticos médicos, principalmente psiquiátricos, se tornaram um dispositivo importante na explicação e intervenção dos processos de vida dos trabalhadores na sociedade capitalista brasileira, haja vista que as explicações hegemônicas sobre as expressões que envolvem a saúde mental da população tendem a ser abordadas como uma “questão em si”, referem-se a elas como um problema individual, o  problema está dentro das cabeças dos indivíduos, por meio de desiquilíbrios químicos, nas suas mentes, em decorrência de desvios de personalidade, ou então seria um conjunto de problemas morais-comportamentais. Considerando essa perspectiva, as mentes ou cérebros seriam entidade autônomas, prontas, que se objetivam nos indivíduos, os produzem, num determinismo ou estruturalismo cerebral/psicológico. A pesquisa de campo se desenvolveu nos dois maiores Centros de Saúde dos distritos sanitários sul e continente da capital catarinense, com usuários que possuem diagnóstico de ansiedade e depressão e que aguardavam por atendimento com os profissionais do Serviço Social das respectivas unidades. Como critérios elegíveis considerou-se usuários adultos, em atendimento pelos profissionais de Serviço Social dos centros de saúde (CS) selecionados, de ambos os sexos, que afirmavam possuir diagnóstico dos chamados Transtornos Mentais Comuns – TMC.  O percurso metodológico baseou-se na   pesquisa qualitativa crítica e válida, de caráter observacional, sendo a amostragem por conveniência devido a facilidade de acesso aos usuários do serviço e por se tratar de uma pesquisa essencialmente qualitativa, na qual foi central a análise do conteúdo do discurso do indivíduo. Por razões de foro ético a pesquisa baseou-se exclusivamente no relato dos participantes, não obtendo outras fontes secundárias de informação, como acesso a Prontuário Eletrônico do Paciente – PEP. Tendo em vista que o processo de medicalização da vida social não ocorre de maneira estanque aos processos e as determinações macrossocietárias, e considerando que a superexploração da força de trabalho constitui o núcleo central da reprodução do capitalismo dependente na América Latina, isto é, delimita a forma fundamental de produção de mais-valia nessas latitudes, sendo determinante para o caráter extremo das contradições capitalistas nessas sociedades - nos termos de Marini. O modo de produção capitalista na América Latina possui um caráter sui generis, essa ideia trata da consideração das formas particulares que regem a reprodução do capital nas economias dependentes, no marco do desenvolvimento do capitalismo como sistema mundial, neste sentido, a exploração da força de trabalho se apresenta na forma particular como superexploração e é operada por via de três mecanismos principais, o primeiro diz respeito ao aumento da intensidade do trabalho, por meio da qual o trabalhador passa a produzir, em uma mesma jornada de trabalho, uma quantidade de bens superior à que produzia nas condições anteriores. O segundo seria o prolongamento da jornada de trabalho, de forma a acrescentar o tempo de trabalho excedente em relação ao tempo de trabalho

necessário — ou seja, amplia-se o período de produção dedicado à consecução de valor não apropriado pelo trabalhador. O terceiro trata da apropriação de parte do fundo de consumo do trabalhador, reduzindo o fundo necessário para o trabalhador garantir sua subsistência, em favor da ampliação do fundo de acumulação do capital. Trata-se de um conjunto de modalidades que promovem o esgotamento de forma prematura da força física e mental dos trabalhadores, assim como na baixa remuneração de sua reprodução social.  Dessa forma, procurou-se problematizar os elementos estruturantes e estruturais que constituem e perpassam a organização e o desenvolvimento capitalista periférico, sem negligenciar seu entrelaçamento com as expressões do racismo, do patriarcado e suas consequências para a saúde mental dos trabalhadores, especialmente na fase atual de desmonte dos direitos sociais, arduamente conquistados, apenas parcial e contraditoriamente materializados. Conclui-se que a medicalização da vida social pode se constituir como uma estratégia/ recurso amplamente utilizado na política de saúde mental e os psicofármacos difundidos como solução naturalizada, assim como pode demonstrar-se como uma forma de escamotear as grandes questões e dilemas vivenciados cotidianamente pelos trabalhadores enquanto classe oprimida e superexplorada pelo capital.

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Biografia do Autor

Ana Carla Werneque RIBAS, Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Faculdade de Serviço Social - FSS, Programa de Pós-Graduação de Serviço Social – PPGSS. Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Doutoranda em Serviço Social, Especialista em Saúde da Família e pesquisadora na área da saúde mental.

Referências

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Publicado

2025-12-01

Como Citar

1.
RIBAS ACW. A medicalização da vida social na periferia do capitalismo. Crit. Revolucionária [Internet]. 1º de dezembro de 2025 [citado 2º de dezembro de 2025];5:e003. Disponível em: https://criticarevolucionaria.com.br/revolucionaria/article/view/170

Edição

Seção

Jornadas, Colóquios e Anais