Crit Revolucionária, 2024;4:e011

Artigo original

https://doi.org/10.14295/2764-4979-RC_CR.2024.v4.44

PARTICIPAçãO SOCIAL: OS LIMITES E AS POSSIBILIDADES DA CONSTRUçãO COLETIVA NO SISTEMA ÚNICO DE SAúDE, BRASIL

Stella Aparecida Geraldo LIMAi    

i  Universidade Federal de São Paulo – Unifesp, Escola Paulista de Medicina – EPM, Departamento de Medicina Preventiva. São Paulo, SP, Brasil.

Autor de correspondência: Stella Lima stellaaparecidageraldo@gmail.com

Recebido: 17 jul 2023
Revisado: 30 ago 2023
Aprovado: 14 out 2024

https://doi.org/10.14295/2764-49792RC_CR.v4.44

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Resumo

As construções coletivas se dão em diferentes espaços, no contexto do Estado, temos as instâncias de participação social, normatizadas nas políticas sociais como locais em potência para fortalecer o Sistema Único de Saúde – SUS. Este artigo busca apresentar um projeto de pesquisa que visa compreender e repensar os limites e possibilidades da participação social no SUS com respaldo no pensamento de Floreal Antonio Ferrara. Para tal foi realizada uma revisão bibliográfica em revistas marxistas e de tradição crítica com vistas a compreender o termo “participação social”, assim como, buscou-se explorar limites e possibilidades deste campo institucionalizado na política de saúde, com respaldo no pensamento de Floreal Antonio Ferrara. Pretendemos explicitar criticamente o termo “participação social” e seus semelhantes para promover uma discussão crítica sobre os limites e possibilidades institucionais desta prática, bem como, repensá-la.

Descritores: Participação social; Sistema único de saúde; Floreal Antonio Ferrara; Estado; Tradição marxista.

PARTICIPACIóN SOCIAL: LOS LíMITES Y POSIBILIDADES DE LA CONSTRUCCIóN COLECTIVA EN EL SISTEMA ÚNICO DE SAúDE, BRASIL

Resumen: Las construcciones colectivas ocurren en diferentes espacios, en el contexto del Estado, tenemos instancias de participación social, estandarizadas en las políticas sociales como espacios potenciales para fortalecer el Sistema Único de Saúde – SUS. Este artículo busca presentar un proyecto de investigación que tiene como objetivo comprender y repensar los límites y posibilidades de la participación social en el SUS, apoyado en el pensamiento de Floreal Antonio Ferrara. Para ello, se realizó una revisión bibliográfica en revistas de tradición marxista y crítica con miras a comprender el término “participación social”, así como buscar explorar los límites y posibilidades de este campo institucionalizado en la política de salud, sustentado en el pensamiento de Floreal Antonio Ferrara. Nos proponemos explicar críticamente el término “participación social” y sus términos similares para promover una discusión crítica sobre los límites y posibilidades institucionales de esta práctica, así como repensarla.

Descriptores: Participación social; Sistema único de salud; Floreal Antonio Ferrara; Estado; Tradición marxista.

   

SOCIAL PARTICIPATION: THE LIMITS AND POSSIBILITIES OF COLLECTIVE CONSTRUCTION IN THE SISTEMA ÚNICO DE SAúDE, BRAZIL

Abstract: Collective constructions take place in different spaces, in the context of the State, we have instances of social participation, standardized in social policies as potential places to strengthen the Sistema Único de Saúde – SUS. This article seeks to present a research project that aims to understand and rethink the limits and possibilities of social participation in the SUS, supported by the thoughts of Floreal Antonio Ferrara. To this end, a bibliographical review was carried out in Marxist and critical tradition magazines with a view to understanding the term “social participation”, as well as seeking to explore limits and possibilities of this institutionalized field in health policy, supported by the thought of Floreal Antonio Ferrara. We intend to critically explain the term “social participation” and its similar terms to promote a critical discussion about the institutional limits and possibilities of this practice, as well as rethinking it.

Descriptors: Social participation; Unified health system; Floreal Antonio Ferrara; State; Marxist tradition.

INTRODUçãO

Aparticipação social está normatizada no Sistema Único de Saúde – SUS por meio da Lei Orgânica da Saúde, sob o n° 8.142/901.1 Emerge como parte integrante do movimento sanitário brasileiro e se legitima na Constituição Federal de 19882 como um dos princípios do SUS.2,3 Inaugurada institucionalmente através da VIII Conferência Nacional de Saúde de 19863, a participação social a grosso modo, diz respeito à possibilidade dos usuários da política de saúde participarem de instâncias deliberativas do SUS, compondo a tomada de decisões do sistema único. Importante destacar o avanço que essa conquista representa para construção da democracia nas instituições brasileiras, entretanto, não se pode esquecer que apesar de ter sido implementada por tensionamento de forças progressistas, essa lógica de gestão enfrenta grandes desafios após sua regulamentação com a Constituição Federal de 1988, visto a nova onda capitalista em sua fase neoliberal que minou e mina grande parte das conquistas civilizatórias em saúde no âmbito do Estado. Os limites e desafios políticos contextuais do SUS nos fazem relembrar que o Estado está sempre a serviço da lógica burguesa de sociabilidade é diante disto, que vemos o projeto privatista de saúde se destacando, em detrimento do projeto da reforma sanitária.

Parte-se da ideia que o Estado não pode ser tomado como algo externo ao capital, especialmente aos efeitos atuais da dinâmica do capitalismo contemporâneo e sua crise com ataques frontais aos direitos sociais. Considera-se que a relação Estado/Capital deve ser compreendida por seu aspecto orgânico. Isto significa entender que não existe separação entre o Estado e o capital e que as relações entre eles não são somente relações de exterioridade.4(9)

Os espaços de participação social são cada vez mais cooptados por segmentos sociais conservadores, neofascistas e pró capitalistas, fomentados pelas parcerias público-privadas que dominam o cenário brasileiro de saúde desde o nascedouro do SUS, inviabilizando as possibilidades de um direcionamento político progressista que de fato efetive a gestão coletiva da política social de saúde.

Reconhecemos, deste modo, a distância abismal do que fora desenhado pelos marcos legais –dentro dos ditames do Estado burguês– e, o que de fato se efetiva no cotidiano da participação popular nas instituições de saúde.

Diante desta perspectiva, temos o objetivo de resgatar em uma pesquisa de mestrado inserida no Programa de Saúde Coletiva da Universidade Federal de São Paulo – PPGSC5 o pensamento do sanitarista marxista argentino, Floreal Antonio Ferrara,6 sobre participação social em saúde. Objetivando repensar os limites e possibilidades institucionais desta prática no SUS. Este autor latiano americano, em sua obra intitulada "Teoría Política y Salud - tomo tercero - Las desdichas de la Atención de la Salud”, publicada em 1995 na província de Buenos Aires/Argentina,7 além de retomar os principais conceitos e abordagens da participação social na saúde em uma perspectiva crítica marxista, apresenta um cenário de possibilidades práticas para seu exercício diante da conjuntura político-econômica que se encontrava Argentina em meados da década de 1980. Em síntese, por meio de uma revisão bibliográfica buscamos compreender o termo “participação social”, bem como, explorar os limites e as possibilidades desta prática institucionalizada no SUS, no atual cenário brasileiro. Por fim, demarcamos que as discussões apresentadas neste artigo são uma prévia de uma pesquisa de mestrado que ainda se encontra em andamento.

DESENVOLVIMENTO DO TEXTO

Floreal Antonio Ferrara, nascido em 7 junho de 1924, foi um importante militante, político da saúde e sanitarista-argentino, além de socialista e peronista. Nascido em Punta-Alta, província bem ao Sul de Buenos Aires, filho de um carpinteiro iugoslavo anarquista e de uma dona de casa espanhola. Se formou em Medicina pela Universidad Nacional de La Plata em 1950, tornou-se especialista em Cardiologia em 1953 e em Medicina Social no ano de 1964.6 Ao longo de sua carreira realizou diversas publicações relevantes para a pautar o imbricamento de política e saúde, bem como, demarcou a saúde como resultado e parte integrante das relações sociais capitalistas.

Ademais, recebeu diversos reconhecimentos ligados a área acadêmica e as práticas institucionais exercidas. Atuou como Ministro da Saúde por duas vezes na Província de Buenos Aires, a primeira delas em 1973 e a segunda vez entre os anos 1987 e 1988, período em que se preocupou em estruturar e, até mesmo, idealizar práticas em saúde aliadas a uma perspectiva ampliada e crítica.

Em sua última posse como ministro da saúde construiu a denominada Atenção Ambulatorial Domiciliar em Saúde – ATAMDOS,6 sistema de saúde público que compreendia a necessidade de descentralizar a assistência à doença na esfera hospitalar para migrar as práticas de cuidado para uma perspectiva integral em atendimentos ambulatoriais e domiciliares, com foco na promoção da saúde e prevenção da doença. Formada por uma equipe multiprofissional, a ATAMDOS era composta por médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, bioquímicos e cirurgiões-dentistas que se responsabilizam pelo cuidado de famílias de determinada abrangência territorial. O modo de organização dessa prática em saúde se colocou como revolucionário, pois não somente os técnicos construíam as práticas cotidianas de gestão em saúde, mas também, os usuários e pacientes do território, compondo o que conhecemos nas políticas sociais brasileiras como controle social dos espaços institucionais. Trabalhadores e pacientes se reuniam para composição de assembleias, nomeação dos conselhos administrativos, ao passo que, a gestão financeira também era conduzida pelos usuários do serviço de saúde. Deste modo, este sistema trabalhava o conceito de corresponsabilização dos sujeitos sob os bens e serviços públicos.

Floreal faleceu aos 85 anos de idade, tendo dedicado sua vida à docência e à luta político social no âmbito da saúde.6 É diante deste contexto que Floreal Antonio Ferrara, começa a ser resgatado, ainda que de forma incipiente, por estudiosos da tradição marxista em seu país de origem, Argentina, e também no Brasil. Na Argentina, já podemos encontrar websites que fazem um compilado de suas obras e trajetória,8 bem como, existe a “Escuela de Gobierno en Salud Floreal Ferrara”,9 espaço institucional do setor saúde da província de Buenos Aires destinado a formação continuada em nível médio, técnico e superior.

E é com base em sua trajetória e emergência de repolitizar a gestão coletiva da saúde no Brasil, que resgatamos este esquecido pensador marxista latino-americano, em busca de fomentar uma discussão crítica sobre a construção da participação social, objetivando compreender os limites e as possibilidades desta prática no campo institucional.

Sabemos que mesmo que sob intensas disputas, a participação social é lei no SUS1 preconizada a partir do capítulo Seguridade Social e Seção Saúde da Constituição Federal de 1988.2 Entre as divergências políticas em torno do termo (participação social, participação da comunidade, ou ainda, controle social), grosso modo, trata-se da possibilidade da sociedade civil participar das instâncias decisórias do sistema de saúde, deliberando e interferindo a respeito dos interesses coletivos, fato que significa um avanço essencial para a democratização das instituições na sociedade brasileira. A participação social se colocou como uma importante diretriz de desenvolvimento do SUS, assim como, a universalidade e integralidade, conceitos chaves desta estrutura pública.

A principal forma pela qual a participação social é materializada se dá através dos conselhos e das conferências em saúde, que possuem legislações específicas desde 1990 no Brasil. São estes instrumentos legais que norteiam sua prática e desenvolvimento no cotidiano dos serviços públicos de saúde. Segundo o que prevê a Lei Orgânica da Saúde,1 os conselhos de saúde devem ser compostos por usuários, gestores, prestadores públicos e privados e trabalhadores da saúde, construídos de forma permanente e paritária. Deste modo, os participantes dos conselhos possuem o papel de discutir, elaborar e fiscalizar os serviços de saúde em prol da saúde coletiva em cada esfera de governo. Já as conferências em saúde se reúnem a cada 4 anos, também com diversas representações sociais, para avaliar o quadro situacional de saúde do país e, a partir disso, propor diretrizes para construção de políticas de saúde em cada esfera de governo. Deste modo, a participação da população é tida como possibilidade de democratizar as relações de poder nos espaços públicos.

Estes espaços são considerados essenciais para efetivação de uma prática democrática institucional e, foram idealizados numa conjuntura de mobilização social, todavia, implementadas algum tempo depois, já num cenário de regressão de direitos sociais, investidas contra organização dos trabalhadores e, principalmente, de emergência do neoliberalismo no Brasil, o que trouxe limites e desafios contextuais a construção democrática do SUS.10

Ainda assim, visando a construção de uma gestão institucional coletiva, os conselhos e conferências foram implementados em todas as esferas de governo, sendo assim, municipais, estaduais e federais.

A amplitude do campo de atuação dos conselhos de saúde, além de valiosa, é extensa. Como exemplo, a instituição dos conselhos de saúde atende à exigência legal estabelecida para o repasse de recursos financeiros, estaduais ou federais, ao setor Saúde. Sua atuação e variedade de competências fazem com que, hoje em dia, todos os municípios brasileiros disponham de um conselho de saúde.11(13)

Mesmo reconhecendo os avanços que significam os conselhos e as conferências em saúde, o que cada vez mais vem se observando, são os limites, a cooptação destes espaços e as diminutas possibilidades, que refletem a baixa efetividade de uma gestão coletiva de fato.

Existe uma enorme distância entre a proposta de participação social pensada pelo movimento sanitário e, de certa forma, desenhada pelos marcos legais e o que de fato se efetiva no sistema de saúde brasileiro, ainda que se pese a compreensão de que o SUS é uma política de saúde subordinada aos marcos do sistema de produção capitalista e não se distanciaria de uma perspectiva reformista.

É importante reconhecer os limites que as políticas públicas dispõem, especialmente no contexto do capitalismo contemporâneo, em que o Estado se vê cada vez mais associado aos interesses das reformas neoliberais sob o ditame do capital de dominância financeira. Tem sido frequente no Estado brasileiro a adoção de políticas econômicas restritivas, processos de liberalização e abertura de mercados, com o avanço de privatizações, em geral e na saúde em particular, especialmente ao longo dos anos 1990, 2000 e 2010.12(9)

É diante deste contexto que os espaços institucionais de construção coletiva findam, por serem influenciados diretamente por interesses privados, que são atravessados, muitas vezes, pelas parcerias público-privadas que dominam os serviços de saúde do SUS na roupagem de Organizações Sociais de Saúde – OSS.

São essas parcerias conservadoras e reacionárias que dominam a gestão dos equipamentos de saúde desde o nascedouro do SUS e, inviabilizam o direcionamento político progressista dos espaços coletivos, dificultando a articulação e organização da luta política institucional.13 Como Carnut e Ianni14 advertem:

Há perda da capacidade política dos conselhos e conferências como espaço de resistência institucional. Mesmo admitindo os limites da democracia representativa parlamentar, há uma cantilena em “suprir os déficits democráticos” do modo tradicional de formulação de políticas públicas restrito aos gestores, técnicos e burocracia governamental, além de parlamentares.14(2)

É neste contexto que se torna cada vez mais urgente a repolitização dos debates que envolvem a gestão e a socialização dos serviços de saúde, sendo essencial um direcionamento político das discussões sobre o que significa a participação social no atual cenário de predominância de interesses cada vez mais privados, ditados pelo capitalismo em sua era financeira. Além disso, é preciso compreender que estes espaços idealizados pelo movimento institucionalizado da reforma sanitária brasileira precisam ultrapassar as barreiras do Estado em busca de uma construção popular política organizada.

Entretanto, apesar dos avanços do movimento sanitário, a mera ocupação dos aparelhos de Estado sem sua “quebra”’, levou à burocratização do movimento e à desmobilização de sua, já pequena, base popular. Portanto, sem uma perspectiva totalizante da saúde enquanto necessidade radical, e que, necessariamente, perpassa uma posição política anticapitalista, estamos fadados à burocratização e ao alijamento das demandas e necessidades das classes dominadas.15 (272)

A despolitização dos sujeitos, alimentada pelos espaços institucionais, se coloca como um dos obstáculos a práticas coletivas que podem iniciar contestações às relações sociais capitalistas. Mesmo que sem possibilidades de garantir ou alcançar transformações societárias pelo caráter limitado das lutas institucionais, as práticas atreladas a perspectivas da reforma sanitária podem despertar e estimular a consciência político sanitário. Neste sentido, resgatar as origens do termo na tradição social marxista para realizar reflexões, considerando a totalidade estrutural e histórico-política, tem se colocado como um investimento fundamental para iluminar uma crítica a essas práticas e lutas sociais institucionalizadas.

Mesmo reconhecendo a diferença histórica dos momentos de 1980 e o atual cenário brasileiro, estamos de acordo que o estudo do passado só é relevante quando está a serviço do presente; e, nessa direção, pensar historicamente significa pensar politicamente.16 Por isso, por mais que resgatar a obra de Ferrara possa parecer um procedimento anacrônico ou, ainda, pouco profícuo para pensar a conjuntura político-econômica em que se encontra a participação social no SUS hoje, Chesnaux16 nos brinda também com a esta máxima sobre o ‘valor político’ de se pensar a história. Ademais, entendemos que o atual cenário é um momento propício para requalificar as formas de participação social institucionalizadas, superando seus limites em direção a uma ação democrática mais radical e repolitizada.14

Demarcamos que este estudo se trata de uma pesquisa social de abordagem qualitativa e para operacionalizar os objetivos específicos deste estudo usaremos três métodos de coleta e análise de dados, buscando, desta forma, alcançar o fim proposto. O referencial teórico metodológico adotado neste projeto vai ao encontro dos estudos referenciados na tradição social marxista.

Num primeiro momento, para compreensão da categoria “participação social” sob a luz do materialismo histórico-dialético, realizaremos uma revisão bibliográfica sistemática crítica em revistas acadêmicas que se firmam neste campo, pois acredita-se que através deste caminho torna-se possível avançar na compreensão da categoria mencionada. A revisão sistemática como uma forma de pesquisar a literatura utilizando de métodos explícitos e confiáveis.17 A revisão será guiada pela seguinte pergunta: O que a literatura científica marxista apresenta sobre participação social e saúde? Foram consideradas para construção deste estudo, revistas científicas marxistas e também revistas que contemplam o pensamento crítico, todas na modalidade online, que possivelmente publicam e possuam relação com a temática da participação social. De forma geral, para a seleção das revistas, foi realizada leitura prévia do título e do escopo de publicação das mesmas, buscando identificar possível proximidade com o objeto de estudo desta pesquisa. O critério de seleção desses periódicos se deu pelo conteúdo crítico apresentado. Ao final da busca, obtivemos um total de 100 plataformas online de conteúdo crítico para consulta.

A princípio, na fase de rastreamento, utilizamos a ferramenta Google para buscar a Plataforma Sucupira, Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES e, na página de busca deste website, foram preenchidos os seguintes campos: “Evento de Classificação” onde assinalamos a opção “Classificação de periódicos quadriênio 2017–2020”, também preenchemos o campo “Área de Avaliação” com a opção “Serviço Social”. A partir disso, foi gerado um arquivo de tabela em formato Excel. Foram encontradas 1.134 revistas e, por meio de filtro próprio da ferramenta, selecionamos apenas as revistas online que continham a palavra “SOCIAL” em sua titulação, deste modo, ficaram 59 revistas nacionais e internacionais para análise de dados. Além disso, foram selecionadas a partir de busca exploratória no Google, outras 38 plataformas digitais marxistas que também possuíam potencialidade de apresentar a temática estudada visto seu escopo crítico. Por fim, por meio de busca exploratória no Google, identificamos 13 anais de eventos que tinham em seu escopo proposta de fomentar discussões na perspectiva crítica e marxista.

Após exclusão das plataformas que só publicam os artigos de forma física, ficaram 39 revistas online nacionais, 48 revistas online internacionais e 13 anais de congressos nacionais. Nas plataformas foram utilizados como termos livres as seguintes palavras: “participação social”, “controle social”, “gestão social” “gestão coletiva”, “participação comunitária”, “gestão democrática” “gestão participativa”, “conferência de saúde” e “conselho gestor”, importante demarcar que as buscas aconteceram em português, inglês e espanhol. Além disso, foram utilizados como termos livres secundários as combinações dos termos livres primários com adicional de “and saúde”, “and SUS” e “and Sistema Único de Saúde”. Todos os termos livres primários que identificaram acima 50 publicações foram selecionados para esta segunda etapa descrita. Ao final das buscas dos termos primários e secundários foram encontradas 2.037 publicações.

No momento de análise destes achados, serão excluídas publicações que contenham volume inteiro; ensaios; reportagens; dissertações completas; resumos e capítulos de livros; entrevistas. Como recorte também serão lidos os resumos a fim de compreender a adequação do artigo a discussão teórica proposta.

Os artigos que corresponderem a busca, a partir da leitura de seu título, serão selecionados para interpretação prévia de seus resumos, daí em diante ocorrerá a seleção final das produções que se enquadram na temática específica do estudo. Para destrinchar os artigos elegíveis será utilizada Análise de Conteúdo Crítica, visto que a compreensão da totalidade dos conteúdos está para além das palavras, mas inclui também a compreensão de contextos históricos, políticos e culturais.

The critical content analysis reveals what text is about (Galda, Ash, & Cullinan, 2000). Therefore, the text is not limited to words but can also include any object, such as pictures and other images, that hold meaning for someone or is produced to have meaning (Krippendorff, 2004, p. 19). [...] Thus, the critical content analysis is an appropriate method to utilize while investigating [...] artifacts such as books and pictures as it allows the researcher to look at both text and pictures. 18(61)

A análise crítica do conteúdo é constituída das seguintes fases: a) decidir sobre uma proposta de pesquisa e possíveis perguntas, b) selecionar e ler o texto para análise, c) aprofundar dentro de um quadro teórico crítico e selecionar princípios relevantes, d) explorar o contexto sócio-histórico e cultural do texto, e) ler estudos de pesquisa relacionados, f) considerar a própria posicionalidade relacionada ao objetivo e ao texto da pesquisa, g) examinar questões de poder em todo o texto (fechamento, agência e focalização); h) determinar a unidade de análise e organizar a análise de dados, i) envolver-se na leitura atenta dos textos usando as ferramentas analíticas e os princípios teóricos, j) Revisitar a teoria e os textos, escrever memorandos teóricos.19

Revisar o conteúdo de estudos marxistas é um desafio20, mas acredita-se que este seja um caminho importante para responder a pergunta da pesquisa, desvelando com maior precisão a categoria participação social a luz do materialismo histórico-dialético.

Num segundo momento, seguiremos com a leitura do tomo três da obra “Teoría Política y Salud - tomo tercero - Las desdichas de la Atención de la Salud” desenvolvido por Floreal Antonio Ferrara,7 realizando uma análise crítica e sistematizada desta produção, recorrendo para tal ato ao uso da Análise de Conteúdo Crítica20. Tal análise preconiza pontos a serem identificados no texto ajudando o leitor a desvelar as relações de poder que a escrita de um conteúdo pode, porventura, mascarar. O objetivo é identificar os principais pontos da obra7 que auxiliem na construção de uma reflexão a respeito da categoria “participação social” no atual cenário brasileiro frente ao avanço dos interesses do capitalismo contemporâneo.

O processo de análise de conteúdo não se dá de forma neutra19. Esse método preconiza alguns elementos, como os de selecionar e ler textos, realizar leitura aprofundada com aporte de uma teoria crítica –no caso, o marxismo–, selecionar fragmentos do texto, explorar o contexto sociocultural e, também, histórico do texto. Além disso, os autores mencionados preconizam que deve se considerar a própria implicação e posição do pesquisador em relação ao tema, examinar questões de relação de poder pelo texto, determinar unidades de análise e organizar as informações de maneira sistemática sobre o que o autor apresenta sobre a construção do entendimento do conceito/categoria/argumento em análise, que no caso deste estudo será o de “participação social”.

No último momento desta pesquisa, esperamos desvelar o conceito de “participação social” à luz do materialismo histórico-dialético, com base no que encontramos nos artigos selecionados e com apoio na compreensão sobre a temática do pensador Floreal Antonio Ferrara. A partir disso, seguiremos com uma metassíntese qualitativa sobre os desafios e as contradições postas nas práticas da participação social no SUS. Vamos analisar e interpretar os resultados desta síntese à luz do pensamento de Floreal Antonio Ferrara sobre a categoria participação social.

É importante destacar que para tal ato, será demarcado o contexto no qual essas práticas ocorrem, recorrendo assim, a categoria da totalidade social que tem como corolário, a historicidade.21 Temos como objetivo tensionar os limites da prática institucionalizada, que se transfigurou nos últimos 30 anos no SUS, como participação social. Neste contexto, pretende-se pensar caminhos futuros para reorientar o posicionamento, bem como, as práticas da participação social no SUS, visto que, os resultados de uma pesquisa social devem ser relevantes para o campo da prática e para a solução de problemas na prática.22

Em síntese, por meio do olhar crítico e da tradição marxista este projeto de pesquisa busca resgatar o pensamento político Floreal Antonio Ferrara latino-americano para repensar a participação social no SUS no atual cenário brasileiro, corporificada pelos conselhos e conferências em saúde, destrinchando os limites e as possibilidades desta prática no âmbito do Estado.

CONSIDERAçõES FINAIS

Realizar uma explicitação mais aprofundada dos termos “controle e participação social”, neste contexto representa um desafio já que acreditamos que através da teoria social marxista possamos elucidar que essas categorias levam, invariavelmente a construção de uma saúde popular cujo papel da tutela estatal é questionada. Neste sentido, pretendemos destrinchar os limites e as possibilidades das práticas de gestão coletiva em saúde no âmbito do Estado.

Assim como os estudos de base marxista podem trazer melhores compreensões dessas categorias, a percepção de Floreal Antonio Ferrara sobre a temática pode promover uma discussão crítica, contribuindo, deste modo, para os estudos propostos pela saúde coletiva brasileira, num momento em que o assolamento das verbas orçamentárias destinadas às políticas sociais se faz cada vez mais comprometido, evidenciando a crise estrutural do capital, que vem se aprofundando sobre a égide da expansão de pensamentos e práticas neofacistas.

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