Crit Revolucionária, 2024;4:e002
Artigo original
https://doi.org/10.14295/2764-4979-RC_CR.2024.v4.32
i Universidade Federal de São Paulo, Instituto de Saúde e Sociedade. Santos, SP, Brasil.
Autor de correspondência: Rosimeire Gois rosimeire.gois@unifesp.br
Recebido: 17 jul 2023
Revisado: 29 ago 2023
Aprovado: 22 jun 2024
https://doi.org/10.14295/2764-49792RC_CR.v4.32
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Este ensaio tem como objetivo geral refletir sobre a importância da análise de conjuntura ao realizar uma pesquisa, considerando a relação entre Estado e capital na crise contemporânea. Entretanto, há também a necessidade de realizar a análise considerando a conjuntura capitalista moderna a qual a rede de atenção está exposta, considerado o capitalismo contemporâneo, gerencialismo na gestão pública em saúde e a interprofissionalidade na rede de atenção à saúde. Desde a reforma sanitária Brasileira, muito se ouve falar sobre a Rede de Atenção à Saúde – RAS, Sistema Único de Saúde – SUS e interprofissionalidade. Mas, pouco se falar sobre a crise do capitalismo e a quais os impactos dessa crise na saúde pública. O ensaio deriva de pesquisa de doutorado. O objetivo é analisar ações colaborativas no trabalho em equipe. Os resultados esperados descrever a intencionalidade de ações colaborativas conjunta e contribuir para a ampliação políticas públicas de fortalecimento ao SUS.
Descritores: Análise de conjuntura; Capitalismo; Estado; Interprofissionalidade.
LA RED DE ATENCIóN A LA SALUD, LA PRáCTICA INTERPROFISSIONAL Y EL CAPITALISMO CONTEMPORâNEOResumen: Este ensayo tiene como objetivo general reflexionar sobre la importancia del análisis de coyuntura al momento de realizar una investigación, considerando la relación entre Estado y capital en la crisis contemporánea. Sin embargo, también existe la necesidad de realizar el análisis considerando el contexto capitalista moderno al que está expuesta la red asistencial, considerando el capitalismo contemporáneo, muy gerencial en la gestión de la salud pública y la interprofesionalidad en la red asistencial. Desde la reforma sanitaria brasileña, se ha hablado mucho sobre la Red de Atención a la Salud, el Sistema Único de Salud y la interprofesionalidad. Pero poco se dice sobre la crisis del capitalismo y los impactos de esta crisis en la salud pública. El ensayo deriva de una investigación doctoral. El objetivo es analizar acciones colaborativas en el trabajo en equipo. Los resultados esperados describen la intencionalidad de acciones colaborativas conjuntas y contribuyen a la ampliación de políticas públicas para fortalecer el SUS. Descriptores: Análisis de coyuntura; Capitalismo; Estado; Interprofesionalidad. |
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THE HEALTH CARE NETWORK, INTERPROFISSIONAL PRACTICE AND CONTEMPORARY CAPITALISMAbstract: This essay has as its general objective to reflect on the importance of conjuncture analysis when carrying out a research, considering the relationship between State and capital in the contemporary crisis. However, there is also a need to carry out the analysis considering the modern capitalist context to which the care network is exposed, considering contemporary capitalism, very managerial in public health management and interprofessionality in the health care network. Since the Brazilian health reform, much has been heard about the Health Care Network, the Unified Health System and interprofessionality. But little is said about the crisis of capitalism and the impacts of this crisis on public health. The essay derives from doctoral research. The objective is to analyze collaborative actions in teamwork. The expected results describe the intentionality of joint collaborative actions and contribute to the expansion of public policies to strengthen the SUS. Descriptors: Conjuncture; Analysis; Capitalism; State; Interprofessionality. |
Este ensaio tem como objetivo geral refletir sobre a importância de realizar uma pesquisa, considerando a relação entre Estado e capital na crise contemporânea e análise de conjuntura. O ensaio deriva de um projeto de pesquisa de Doutorado no cenário da Rede de Atenção à Saúde – RAS do Sistema Único de Saúde – SUS -, na zona sul do município de São Paulo, surgiu da necessidade em entender a Prática Interprofissional Colaborativa nas ações de saúde no contexto do trabalho em equipe na perspectiva dos profissionais, gestores e usuários. E entender como o apoio matricial e as ações em saúde são compreendidas pelos profissionais que compõem a RAS, como estes têm se preparado para o trabalho em equipe e a prática interprofissional colaborativa, como a gestão facilita espaços para o trabalho em equipe e a prática interprofissional colaborativa e qual a percepção do usuário em relação às ações em saúde ofertadas na RAS.
De acordo com o exposto, a motivação pela pesquisa se dá pela necessidade de compreender a Prática Interprofissional Colaborativa nas ações de saúde no contexto do trabalho em equipe gerenciado por Organização Social na perspectiva dos profissionais, gestores e usuários.
Dentro desse contexto, a hipótese é que o apoio matricial se constitui como espaço potente para a interação profissional, podendo ser desenvolvido com a intencionalidade da Prática Interprofissional Colaborativa – PIC. O cenário do apoio matricial também pode ser uma estratégia de organização do processo de trabalho em saúde que acontece a partir da integração de equipes envolvidas às situações, problemas ou queixas comuns da RAS, constituindo-se também como espaço de colaboração interprofissional.
O acesso universal e a qualidade da atenção à saúde podem melhorar através da operacionalização das ações em saúde pela perspectiva da prática interprofissional colaborativa e do trabalho em equipe. Mesmo sabendo dos desafios que essa prática constitui.1
[A] prática colaborativa e o trabalho em equipe podem contribuir para melhorar o acesso universal e a qualidade da atenção à saúde. Entretanto, a operacionalização do trabalho interprofissional se constitui como um desafio atual. Acrescenta-se a esse desafio a imprecisão conceitual no estudo da temática, em que termos como colaboração e trabalho em equipe são frequentemente utilizados como sinônimos.1(1525)
As equipes de saúde da Atenção Primária à Saúde – APS criam espaços e oportunidades para o cultivo da arte de dialogar, superando a dicotomia entre o aprender e o ensinar.2
O apoio matricial realiza intercâmbio entre profissionais e fomenta reflexão e produção de saberes.3 O Sistema Único de Saúde é interprofissional, pensado e efetivado como local de cuidados em saúde, educação profissional, gestão e controle social, com foco em integralidade, equidade, universalidade e participação.4
Para que os profissionais de saúde efetivamente colaborem e melhorem os resultados na saúde, dois ou mais deles, com diferentes experiências profissionais, devem em primeiro lugar ter oportunidades de aprender sobre os outros, com os outros e entre si. Essa educação interprofissional é essencial para o desenvolvimento de uma força de trabalho de saúde “colaborativa preparada para a prática”, na qual os funcionários trabalham juntos para prestar serviços abrangentes em uma ampla gama de locais de assistência de saúde.5(13)
Espera-se que a análise de dados após a coleta de pesquisa responda às indagações já citadas. Entretanto, há também a necessidade de realizar a análise considerando a conjuntura capitalista moderna a qual a rede de atenção está exposta, considerado o capitalismo contemporâneo, gerencialismo na gestão pública em saúde e a interprofissionalidade na rede de atenção à saúde.
Desde a reforma sanitária Brasileira, muito se ouve falar sobre a RAS, SUS e interprofissionalidade. Mas, pouco se fala sobre a crise do capitalismo e quais os impactos dessa crise na saúde pública.
Uma das peculiaridades da Reforma Sanitária6 foi o uso de categorias centrais da originalidade marxista e de referência socialista para produzir a compreensão da conjuntura em que se depararam. O uso dessas categorias favoreceu a investigação minuciosa das análises sobre o cenário brasileiro da luta de classes em que os reformistas se encontravam.6
No Brasil, a política de saúde emergiu de maneira diferentes nas diversas regiões e estados brasileiros: a implantação do sistema único de saúde e o gerenciamento das redes de atenção, a diversidade de oferta e gestão de serviços, a maneira a investir no papel dos serviços, a importância das instituições não governamentais nas atividades de gestão de políticas públicas, o surgimento de diversos tipos de empresariamento da gestão e oferta de serviços e a descentralização do poder regulatório e decisório para estados e municípios e a proliferação das atividades de empresariamento da oferta de serviços.7
Observa-se que atualmente há uma preocupação sobre a formação profissional, o trabalho interprofissional, talvez um certo romantismo nas ações realizadas nos cotidianos dos territórios sanitários, sem levar em consideração a análise de conjuntura a qual a nossa saúde pública está inserida.
Dentro desse contexto, foi colocado ao serviço público a aplicação e junção de procedimentos de gestão do setor privado, sob o discurso da eficácia e resultando uma gestão de maneira menos dispendiosa, esta ação ficou conhecida como gerencialismo.8
O estado brasileiro não deixou de ofertar respaldo ao setor privado, ofertando ferramentas de funcionamento que colocam em perigo à saúde universal, nesse caso colocamos em evidência a utilização do modo de gestão, que podemos chamar de gerencialismo intermediado por desempenho. Para os autores, o momento em que se encontra o trabalho nos serviços públicos, nos lembra a brutalidade vivenciada pelos trabalhadores ainda nos tempos da acumulação primitiva.9
Entende-se que a reflexão para a análise de dados dessa pesquisa, deva ser realizada de forma aprofundada, buscando o entendimento acerca da relação entre a crise contemporânea e a saúde, apoiado na ideia mais ampla de crise do capital. A crise capitalista e o Estado desempenham função importante na sua composição, a economia capitalista é construída por via de interesses escusos na distribuição e pertencimento do capital e no trabalho explorado, e o Estado se constitui diretamente com as diversas faces e incoerências econômicas e sociais. O Estado reproduz esse sistema capitalista, sendo o motor essencial para essa reprodução.10
Ao pensar em saúde pública e organização de rede de atenção, se faz essencial pensar na crise do capitalismo, e o papel do Estado em dialogar com o capital e nesse contexto o Estado tem forma social, que deriva das relações de poder e exploração da força de trabalho.11
A crise e o conflito são inerentes ao capitalismo, o Estado deriva desse conflito e reproduz o sistema econômico. As forças do capitalismo é o que constitui o Estado moderno. O capital pode ser entendido como uma relação uma conexão social de produção, para Marx12 ele vê a o capital como produto historicamente peculiar de caráter social e econômico, em que o poder político do Estado moderno que garante ação contínua de expropriação violenta também da terra. Nesse sentido, pode nos ser exigido maior esforço para estar de acordo com um Estado que tende a atuar de maneira a gerir políticas públicas, nesse caso a saúde em comando as predileções da lógica do capital.12
Dentro desse contexto, o conceito da Rede de Atenção à Saúde tem sido desenvolvido em vários campos, como a sociologia, a psicologia social, a administração e a tecnologia de informação. As RAS:
apresentam missão e objetivos comuns; operam de forma cooperativa e interdependente; intercambiam constantemente seus recursos; são estabelecidas sem hierarquia entre os pontos de atenção à saúde, organizando-se de forma poliárquica [sic]; implicam um contínuo de atenção nos níveis primário, secundário e terciário; convocam uma atenção integral com intervenções promocionais, preventivas, curativas, cuidadoras, reabilitadoras e paliativas; funcionam sob coordenação da APS ; prestam atenção oportuna, em tempos e lugares certos, de forma eficiente e ofertando serviços seguros e efetivos, em consonância com as evidências disponíveis; focam-se no ciclo completo de atenção a uma condição de saúde; têm responsabilidades sanitárias e econômicas inequívocas por sua população; e geram valor para a sua população.13(16)
Um território que está sob a responsabilidade da RAS, pode ser cenário para promoção de práticas sanitárias articuladas em rede, práticas colaborativas, ações interprofissionais em equipe, articulação entre profissionais, compartilhamento de experiências e de ações voltadas ao mesmo objetivo: o bem-estar coletivo de um território que está sob a responsabilidade da RAS.
Nesse sentido, é importante compreender as transformações pelas quais tem passado o Estado brasileiro neste começo de século e a sua capacidade em implementar políticas para a sociedade brasileira, particularmente as sanitárias. Faz-se necessário refletir sobre as propostas do Banco Mundial – BM para o setor de saúde brasileiro na década de 1970. De acordo com o diagnóstico realizado por consultores do BM, o Brasil deveria repensar os investimentos em saúde para populações menos abastadas e em situação de risco e vulnerabilidade que estavam carentes de políticas sociais e que em consequência disso estavam sofrendo prejuízos causados pela pobreza e a miséria.14
O BM determinou diretrizes para uma reforma a ser implantada nos países periféricos e em desenvolvimento, sendo a principal característica a mudança do sistema público, que deveria abandonar a assistência individual de alto custo, realizada em âmbito hospitalar, e concentrar suas ações em uma assistência coletiva, simplificada e descentralizada para o nível comunitário. Dentre as estratégias a utilizar nas reformas estariam as práticas de educação em saúde, com o objetivo de provocar mudanças nos hábitos de vida das populações pobres.
Em documentos da época o BM preconizava:
Há uma especialização exagerada no atendimento ambulatorial, cresce rapidamente o uso de procedimentos de alta tecnologia e gasta-se muito pouco em promoção e prevenção; os autores dos documentos apresentam como grandes diretrizes para as reformas do sistema de saúde brasileiro, recém-modificado e incluído na Constituição Federal, um conjunto de propostas que podem ser sintetizadas em seis pontos: (1) redução dos investimentos públicos no campo da assistência médica; (2) focalização dos serviços públicos às populações pobres; (3) ênfase nas ações preventivas, especialmente a redução dos fatores de risco; (4) utilização dos recursos públicos em programas que representam, basicamente, bens públicos; (5) estabelecimento de prioridades a partir de uma análise da relação custo/benefício; (6) introdução de reformas institucionais e no sistema de financiamento do setor de saúde, que incluiria a descentralização, com dotação de recursos, prioritariamente para os pobres, mobilização de recursos privados, racionamento da atenção médica e o uso de incentivos e técnicas de gestão modernas. As sugestões para o “racionamento” da atenção médica e o controle de custos no setor de saúde.14(156)
Nesse sentido, a APS deveria responder à maioria das necessidades básicas em saúde e representar de forma econômica o que se convencionou posteriormente chamar de “porta de entrada” do sistema.
De acordo com o Ministério da Saúde
[a] APS é definida como o primeiro contato na rede assistencial dentro do sistema de saúde, caracterizando-se, principalmente, pela continuidade e integralidade da atenção, além de representar a coordenação da assistência dentro do próprio sistema, da atenção centrada na família, da orientação e participação comunitária e da competência cultural.15(9)
Dessa forma, a Estratégia Saúde da Família – ESF inicia a sua consolidação assentando-se como política de assistência à saúde, surge no Brasil como estratégia de econômica, modelo assistencial a partir da APS.
A ESF foi criada como um projeto de ampliar o acesso e o cuidado da população brasileira, de efetivar o processo de municipalização da organização da atenção à saúde, de viabilizar a reorganização pactuada entre municípios e coordenar a integralidade do cuidado em saúde.16
Talvez caiba aqui a análise de que para a saúde pública de fato garanta a universalidade do acesso necessário investimentos a partir da realidade de cada território, estaríamos garantindo equidade não só no acesso, mas também na distribuição de investimentos em políticas de saúde. Talvez dessa forma o acesso aos serviços da APS tenha de fato ampliação e cobertura populacional pelas equipes de Saúde da Família em todo território nacional. Estes investimentos públicos, se realizados de acordo com a necessidade real da população, virão para o fortalecimento da APS como porta de entrada e organizadora da atenção no SUS.
Diante do exposto, o presente ensaio procurou colaborar com a reflexão de que é necessário que possamos analisar o objeto de pesquisa a partir da lógica do capitalismo moderno, a exploração da força de trabalho, o investimento em políticas públicas para além da lógica das reais necessidades da natureza do Estado.
Ressaltando a importância de quando falamos de políticas públicas a ótica deve ser a categoria cidadania e suas particularidades, o uso de categorias centrais da originalidade marxista e de referência socialista para produzir a compreensão da conjuntura em que nos encontramos, podemos utilizar para isso, o percurso crítico da análise de conjuntura social e sobre as relações entre saúde e interesses de Estado.
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