Crit Revolucionária, 2024;4:e005

Artigo original

https://doi.org/10.14295/2764-4979-RC_CR.2024.v4.31

Guiné-Bissau: crise política burocrática e a devastação florestal

Ivanilson Dinis Geraldo MONTEIROi    

i  Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, Escola Paulista de Medicina – EPM, Departamento de Psicobiologia. São Paulo, São Paulo, Brasil.

Autor de correspondência: Ivanilson Dinis Geraldo Monteiro pucomonteiro@gmail.com

Recebido: 17 jul 2023
Revisado: 29 ago 2023
Aprovado: 22 jun 2024

https://doi.org/10.14295/2764-49792RC_CR.v4.31

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Resumo

A Guiné-Bissau é uma nação situada na Costa Ocidental da África com uma superfície de 36.125 km². O país despõe de 2 milhões de hectares de floresta, constituindo assim um potencial ecológico rico e diversificado, o que permite acolhimento de vida das mais variadas espécies. Apesar dessa riqueza ecológico, digno de proteção e preservação, mas o que vem sendo observado, ultimamente na Guiné- Bissau, é a sua delapidação desenfreada pela atividade humana, com interesses econômicos obscuros. Atividade essa com grande potencialidade de afetar negativamente a vida da geração vindoura, além dos efeitos negativos que a população já está vivenciando, enfrentando. Nesse sentido, baseando no exposto e reportando o texto do Pedro Felipe Narciso intitulado “O golpe de estado, a burocracia e a teoria marxista do Estado”, o ensaio objetiva-se refletir sobre as cíclicas instabilidades política e/ou burocrática associadas a devastação florestal na Guiné-Bissau.

Descritores: Guiné-Bissau; Instabilidade política burocrática; Devastação florestal.

Guinea-Bissau: crisis política burocrática y devastación florestal

Resumen: Guinea-Bissau es una nación situada en la costa occidental de África con una superficie de 36.125 km². El país cuenta con 2 millones de hectáreas de bosque, constituyendo así un potencial ecológico rico y diverso, que permite la acogida de la vida de las más variadas especies. A pesar de esta riqueza ecológica, digna de protección y preservación, lo que se observa últimamente en Guinea- Bissau es su delapidación desenfrenada por la actividad humana, con oscuros intereses económicos. Esta actividad tiene un gran potencial para afectar negativamente a la vida de la próxima generación, además de los efectos negativos que la población ya está experimentando, haciendo frente. En este sentido, con base en lo anterior y dando cuenta del texto de Pedro Felipe Narciso titulado: “O golpe de estado, a burocracia e a teoria marxista do Estado”, el ensayo pretende reflexionar sobre las inestabilidades políticas y/o burocráticas cíclicas asociadas a la devastación forestal en Guinea- Bissau.

Descriptores: Guinea-Bissau; Inestabilidad política burocrática; Devastación forestal.

   

Guinea-Bissau: Bureaucratic political crisis and forest devastation

Abstract: Guinea-Bissau is a nation located on the West Coast of Africa with a surface area of 36,125 km². The country has 2 million hectares of forest, thus constituting a rich and diverse ecological potential, which allows the reception of life of the most varied species. Despite this ecological wealth, worthy of protection and preservation, but what has been observed lately in Guinea-Bissau is its unbridled delapidation by human activity, with obscure economic interests. This activity has great potential to negatively affect the lives of the next generation, in addition to the negative effects that the population is already experiencing, facing. In this sense, based on the above and reporting the text by Pedro Felipe Narciso entitled: “O golpe de estado, a burocracia e a teoria marxista do Estado”, the essay aims to reflect on the cyclical political and / or bureaucratic instabilities associated with forest devastation in Guinea- Bissau.

Descriptors: Guinea-Bissau; Political bureaucratic; Instability; Forest devastation.

INTRODUçãO

Falar da devastação florestal na Guiné-Bissau é reverberar sobre as cíclicas instabilidades política/burocrática que o país vem enfrentado desde tomada unilateral da sua independência, em 1973. Essa pequena nação africana, ora citada, alberga cerca de 80 ilhas que constituem a parte insular, os arquipélagos dos Bijagós, além do território continental que contempla oito regiões: Bolama, Bafatá, Gabu, Cacheu, Quinara, Tombali, Oio, Biombo e o Setor Autônomo de Bissau.1,2

O nosso ensaio objetiva-se empreender uma discussão sobre as instabilidades política/burocrática guineense associadas a devastação florestal. Discussão essa será desenvolvida baseando no texto intitulado: “O golpe de estado, a burocracia e a teoria marxista do Estado”,3 do componente curricular: Teoria Política Crítica e saúde coletiva da Universidade Federal de São Paulo - Unifesp; Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva. Dito isso, partimos do pressuposto de que, se calhar, o público alvo desse texto pouco ouviu falar sobre esse pequeno país africano. Nesse sentido, achamos que é de suma importância trazer alguns fatos históricos, no campo da política, que marcaram a luta pela independência do país e que se reverberam diuturnamente.

Nesse bojo, no que tange ao campo político, a história política e burocrática guineense vem sendo marcada por tristes episódios de instabilidades política/burocrática.4 Há quem diga que uma das proezas do país é ser conhecido como o único país da África que fala português onde os presidentes não terminam os seus mandatos, concedidos democraticamente pelo crivo da urna. O José Mário Vaz, ex-presidente democraticamente eleito, 2014–2020, foi o único na história da democracia guineense a fechar o ciclo do processo sucessório democrático sem ser deposto; haja vista que teve um mantado muito criticado por uma parcela da população, principalmente a mais jovem.4

Sumarizando, como aconteceu em quase todos os países da África que tiveram que enfrentar a colonização europeia não por vias pacíficas, a luta pela independência na Guiné-Bissau começou também nos centros urbanos, sob a forma de manifestações e greves. Manifestações essas exigiam mudanças no modus operandi do sistema fascista e colonial português, em relação aos legítimos direitos do povo à autodeterminação e à independência nacional. As autoridades coloniais, no entanto, continuaram violentamente intransigentes.1,5,6

[...] a dominação colonial do continente africano não foi de natureza exclusivamente militar, política e econômica. Para alcançar o seu objetivo, o colonialismo europeu e os seus modus operandi teve que ser justificado e legitimado também através de um plano moral, filosófico e religioso. A dominação da Europa em relação ao resto do mundo acabou por legitimar o conhecimento científico ocidental como única forma válida de saber, anulando, assim, outras bases epistemológicas do conhecimento em outras partes do mundo fora da Europa, principalmente no continente africano.6(123)

Nessa esteira, sem nenhum interesse do governo colonial em atender as demandas advindas dessas manifestações-como é esperado, no dia 3 de agosto de 1959, os descontentes estivadores, marinheiros e mercantes, entraram em greve por questões mais mundanas de aumento de salário e melhores condições de trabalho, ocasião em que foram obrigados a voltar ao trabalho, literalmente à bala, matando cerca de cinquenta grevistas e deixando incomensurável número de feridos. Momento esse foi denominado, na história do país da luta pela independência, de “Massacre de Pidjiguiti”.1 Portanto, tornou-se um ponto fulcral e vital quando o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo-Verde – PAIGC tomou a decisão nevrálgica de mudar de rumo e enveredar por um caminho de luta de todos os modos possíveis, inclusive a guerra armada.1,2,4,5

A vista do aqui exposto, reportando Lopes,1 a mais importante lição tirada da brutal resposta dos portugueses à greve de Pidjiguiti, foi a necessidade de mobilizar e organizar as massas rurais para a libertação nacional. Fazendo algumas mudanças dos quartéis generais do PAIGC para terreno seguro ao sul da fronteira, em Conacri, capital da recém- independente República da Guiné (também conhecida como Guiné- Conacri), o lendário Abel Djassi (nome de guerra de Cabral)1 e seus companheiros, trataram de preparar e planejar com todo o esmero a já inevitável guerra de independência. Quatro anos depois, no dia 23 de janeiro de 1963, os portugueses residentes na Guiné sentiram a determinação dos combates do PAIGC, guerreiros descontentes mobilizados e inspirados por Amílcar Cabral. O enorme sucesso disso é confirmado pelo resultado final da luta armada pela libertação da Guiné-Bissau e Cabo-Verde.1

O Amílcar Cabral foi, sem dúvida, a figura chave central, o líder indiscutível das políticas, militar e diplomática a serem vencidas para garantir o triunfo pela luta armada. Seu gênio foi justamente a capacidade de convencer os duvidosos e desconfiados sobre a verdadeira causa/motivo da luta contra o colonialismo, mobilizar os simpatizantes a assumirem riscos mortais, persuadir a cética opinião internacional sobre a justiça da causa, garantir os recursos e, sobretudo, galvanizar homens e mulheres para que praticassem incríveis atos de coragem.1(28)

O ataque à guarnição portuguesa, em Tite, no Sul da Guiné-Bissau, em 23 de janeiro de 1963, deu-se o início à adiada luta armada de libertação que foi, sem dúvida, um dos momentos mais emblemático na história do povo colonizado da Guiné-Bissau e de Cabo-Verde. Foi uma luta em que guineenses e cabo-verdianos, apesar dos antagonismos gerados pela condição colonial e, no contexto de uma luta armada de libertação, da hostilidade entre eles promovida pela mesma condição, combateram lado a lado, contra um inimigo comum armado.1,2

A luta pela salvaguarda da vida esteve presente e sempre ligado à luta pelo progresso social, pela felicidade do ser humano e contra a explorado do homem pelo homem. A história revela-nos essa verdade de forma mais evidente, sobretudo após a aparecimento da propriedade privada e da luta de classes. No decurso do processo histórico, as contradições dialéticas geraram as guerras foram sempre a expressão da tentativa de dominação das classes exploradas no poder. Nesse sentido, é bom lembrar que o imperialismo gerou já duas guerras mundiais, sendo ele responsável pela hecatombe, pelo menos, de 50 milhões de mortos na Segunda Guerra Mundial, pelos crimes monstruosos de genocídio, [...] pelo aniquilamento devastador de populações indefeso em África, na Ásia, na América Latina e em outros pontos do Globo, muitas vezes sob pretexto da propagação dos valores mais alto de uma pseudo civilização falsamente humanista, humanitária e includente.5(134)

Em 24 de setembro de 1973, realizou-se em Madina de Boé, leste da Guiné-Bissau, a primeira Assembleia Nacional Popular onde declarava a existência de um Estado soberano, a República da Guiné-Bissau, levando ao reconhecimento por mais de 60 países da comunidade internacional. Nesse mapa dos países que reconheceram a Guiné-Bissau como país soberano, o Brasil figura como um dos primeiros. Todos esses anos de luta e sofrimento consubstanciou-se na queda do governo fascista português, em 25 de abril de 1974. Os militares portugueses cientes do desastre que se aproximava e do princípio do fim de uma era, a colonial, colocaram em marcha o que se convencionou chamar de “revolução dos cravos”, terminando assim com a ditadura de 48 anos em Portugal e consequentemente a retirada das forças colonial em Guiné-Bissau.7

O 25 de Abril entra na história como a principal linha divisória na formação do Portugal contemporâneo, isso porque ele marca irreversivelmente o fim da presença colonial portuguesa em África. Deu início à reorganização e modernização da vida económica e civil assim como estabiliza, pela primeira vez em Portugal, uma democracia burguesa do tipo parlamentar. O impulso para estas mudanças fundamentais veio, significativamente, não tanto do interior do próprio Portugal, mas de África: as guerras coloniais em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau constituíram a causa principal do colapso final da ditadura salazarista, o agente catalisador das forças no interior da sociedade portuguesa que estavam determinadas a retirar o País do longo período de isolamento nas águas estagnadas e semifeudais da periferia do sul da Europa.5(1131)

Os dois primeiros Governos Provisórios de Portugal cumpriram a promessa de reconhecimento da República da Guiné-Bissau. Foi o adeus a uma província que era sempre a madrasta do Império Colonial, não fosse ela a menor das províncias em guerra. O fato de apenas existir um movimento de libertação, o PAIGC, tornou mais fácil chegar a um entendimento entre as entidades portuguesas e aquele movimento para, no fundo, aquelas reconhecerem a independência que já tinha sido unilateralmente declarada, em 24 de setembro de 1973.1,2

Após esta data, não faltaram países a reconhecerem o novo Estado; até ao final daquele ano, foram cerca de 40 e, em 31 de maio de 1974, eram já 84. O 10 de setembro de 1974 marca, assim, o início do rumo político de um novo Estado, que deu na primeira colônia portuguesa no continente africano a ter a independência reconhecida por Portugal deixado, agora, totalmente nas mãos do povo guineense, melhor dizendo, nas mãos dos dirigentes políticos guineenses, embora para estes, o dia efetivo da independência seja o 24 de setembro de 1973. A Guiné-Bissau, desde então, totalmente independente, é administrada por mãos próprias; teve ao longo destes quase 51 anos muitas metamorfoses política/burocrática que lhe proporciona grandes e graves contratempos para a consolidação da democracia, estabilidade política e desenvolvimento socioeconômico.1,2,8

Não fazemos a guerra para conquistar Portugal. Fizemo-la porque somos obrigados a isso para conquistar os nossos direitos humanos, os nossos direitos de Nação, de povo africano que quer a sua independência, isto é, a libertação total do nosso povo da Guiné e de Cabo Verde, a conquista da nossa independência nacional e da nossa soberania.5(139)

Mas qual é a explicação do extraordinário sucesso do PAIGC? Os fatores históricos e geográficos foram certamente mais favoráveis ao desenvolvimento da luta de libertação na Guiné, fazendo comparação com Angola ou Moçambique: a maior parte do interior do país era inacessível aos Portugueses, fornecendo um terreno propício para a guerra de guerrilha. A independência da Guiné-Conakry (1958) e a do Senegal (1960) proporcionaram ao PAIGC um refúgio seguro a norte, a leste e a sul, bem como valiosas bases tanto para treinamento/exercícios militares como para fornecimentos de material bélico assim como emissões de propaganda sobre a luta. Graças as dificuldades encontradas no processo de adaptação dos portugueses em Guiné-Bissau, e demais outros fatores, diga-se de passagem, que o povo guineense foi o que mais resistiu a colonização portuguesa no continente africano, os portugueses nunca conseguiram estabelecer um verdadeiro e extensivo domínio colonizador em Guiné, onde as contradições tribais e de classe eram, porventura, menos pronunciadas do que, por exemplo, em Angola. Todavia, a principal razão do sucesso do PAIGC deve ser imputada também à qualidade da sua organização política e da sua liderança e, em particular, às extraordinárias capacidades do seu secretário-geral, Amílcar Cabral, um homem (que estava) a frente do seu tempo e que foi injustamente assassinado.5,6,8

Fundado em Bissau, em 1956, o PAIGC apoiava-se no elemento assimilado e de classe da população africana. A sua atividade política clandestina em Bissau desencadeou uma repressão violenta por parte das autoridades coloniais, obrigando o movimento a abandonar a área urbana em 1959-60 e a implantar- se no seio das massas camponesas. Esta tarefa não foi de fato fácil. Antes de iniciarem quaisquer ações armadas contra o estado colonial, os militantes do PAIGC levaram cerca de três anos a investigar pacientemente as condições locais, concentrando o seu esforço junto dos grupos étnicos mais susceptíveis de apoiar e sustentar a rebelião, tirando-lhes paulatinamente dúvidas, angariando a sua simpatia e desenvolvendo, assim, uma forma de propaganda política que sintetizava, de fato, as razões de queixa do povo, em frases que eram tanto reais como imediatas. Lembrem-se sempre, dizia Cabral: que o povo não combate por ideias, por coisas que apenas existem na cabeça dos indivíduos. O povo luta e aceita fazer os sacrifícios necessários. Mas fazem- no para obter vantagens materiais, para viver em paz e melhorar as suas vidas, para sentir progresso e para poder garantir um futuro aos seus filhos.8(31)

Entretanto, o PAIGC proclamou unilateralmente a independência sem conseguir colar, em pratica, o tão sonhado projeto maior de desenvolvimento nacional pensado pelo Amílcar Cabral. Nesse sentido, podemos dizer que o maior problema da Guiné-Bissau são as brigas políticas fratricidas primárias. Essas brigas fratricidas acontecem ciclicamente porque nenhuma formação política quer ficar fora do controle da burocracia do Estado. Parafraseando Cabral que dizia: muitos de nós que lutam pelas nossas independências, fazem-no a pensar que todos têm que ser chefes, quererão viver nos palácios dos colonos, ter muitas casas “[...] esquecerão o objetivo da nossa luta, melhorar as condições dos nossos dos nossos povos [...]”.5(137)

Crise política burocrática na Guiné-Bissau e a devastação florestal

Conhecido como país da África lusófona que mais experienciou momentos conturbados no campo da política, sucessivos golpes de Estado e assassinatos de políticos. Tudo isso permite que seja notório internacionalmente que a Guiné-Bissau é uma nação onde dificilmente os presidentes terminam os seus mandatos. Dito isso, baseando no que foi exposto em cima, José Mário Vaz foi o único presidente, na história da república, a ter a sorte de terminar o seu mandato concedido pelo poder das urnas, 2014–2020.4 Nesse sentido, reportando o sociólogo e professor Tamilton Gomes Teixeira,9 os guineenses (nós) não vão às eleições porque chegamos ao fim de uma legislatura ou de um mandato presidencial, em condições normais, para renovar os poderes. As eleições guineenses têm que ser interpretadas desta forma, mas os políticos não se importam a refletir sobre isso, por questões diversas.

Assim sendo, segundo Teixeira,9 as eleições guineenses tem sido sinal de grave crise, porque todas as eleições que o país já fez, nos últimos tempos, depois da dita abertura democrática, aconteceram na sequência de rupturas. Dito isso, não existe uma vontade política no que concerne ao respeito das regras sucessórias democráticas na Guiné-Bissau. Nesse sentido, pergunto: será que é o momento, chegou a hora, dos guineenses terem esperança de que as regras do processo sucessório democrático serão respeitadas, com eleição dos novos deputados da nação, onde o povo concedeu a miaria absoluta à coligação Plataforma Aliança Inclusiva – PAI-Terra Ranka, sob a liderança do PAIGC? Sobre a pergunta, me limito a dizer que o cenário político guineense não cansa de surpreender o seu povo, razão pela qual é muito difícil fazer uma previsão.

Reportando o que já foi dito, pergunto: estamos perante crise de Estado na Guiné-Bissau ou perante crise do capital? Neste exato momento que estou escrevendo esta parte do texto (15 maio 2023), está acontecendo uma greve10 geral em dois setores chaves de desenvolvimento para qualquer que seja nação, saúde e educação.10 Essas greves são cenas recorrentes na Guiné-Bissau, desde que o Fundo Monetário Internacional – FMI e o Banco Mundial – BM ditaram as regras sobre o modelo econômico do país, sem levar em conta as especificidades do país. Aí pergunto novamente: estamos perante crise de Estado na Guiné-Bissau ou perante crise do capital internacional? A minha resposta perante essa insistente pergunta é: o capital internacional nada ajudou a sociedade guineense, o país. Assim que o BM e FMI ditaram as regras econômicas sobre o modelo econômico/desenvolvimento, a Guiné-Bissau passou a experienciar momentos difíceis em todas áreas de desenvolvimento.

Contudo, sob olhar histórico restrito ao campo político, e mirando as estratégias teóricas e argumentativas deste ensaio, dividimos a história política guineense em dois períodos: regime de Partido Único e regime do Multipartidarismo.

Assim sendo, o primeiro período, o de regime de Partido Único, começou depois da proclamação da independência, 1973, e finda em 1993. Já o segundo período, regime do Multipartidarismo, começa na segunda metade dos anos 1994 e vem se espraiando até dias atuais, dando assim na abertura democrática.

No primeiro período, apesar das organizações políticas criadas para lutar contra o regime fascista, ou seja, pela independência, foi o PAIGC que teve a maior notoriedade na luta armada contra o colonialismo português. Com uma vasta estratégia organizacional em quase todo o território nacional, em Comités de Tabanca, no campo, e em Comités de Bairro e nas cidades. O partido tinha os elementos organizativos em células ativas para viabilizar contatos permanente com a população. Essas células eram coordenadas por uma estrutura a nível de cada região que, por sua vez, estava dependente de outra a nível nacional. Assim sendo, o partido ganhou a luta e, com isso, criou o Estado. Então o partido tinha supremacia a este. Era o partido que dirigia a sociedade e o Estado.4,2

Sob o governo do partido único (PAIGC), a pressão a nível internacional já vinha ganhando maiores contornos em relação a implementação da “democracia” no país. Com isso, o PAIGC acabou adotando as políticas de ajuste estrutural, liderado pelo Fundo Monetária Internacional (FMI) e banco mundial (BM). Essas políticas foram implementadas sem se quer o país reunir condições para tal. As políticas de ajustamento estrutural tinham como fulcro a redução da intervenção do Estado nas políticas econômicas e sociais do país, dando mais espaço para o setor privado a função de participação nas políticas de desenvolvimento sócio econômica do país, ou seja, privatização de certos órgãos que dantes eram subvencionados pelo Estado.11(21, destaque do autor)

Devo confessar que antes da abertura democrática o país experimentou algumas instabilidades políticas, mas nada que se compare com as que vem vivenciando pós abertura democrática, o multipartidarismo. A deterioração do Estado, da coisa pública, chegou a um nível nunca antes visto. O sistema de saúde pública e o educacional estagnado, aquém das verdadeiras necessidades da população guineense. A Guiné-Bissau figurava entre países mais limpo (em termos de saneamento básico) da costa ocidental da África e se transformou num dos piores, se calhar pior. O país tinha maior centro de estudo de assuntos sócias e econômicos da costa ocidental da África, o Instituto Nacional de Estudo e Pesquisa – INEP, agora se quer uma universidade pública tem. Aliás tem uma única universidade pública em condições lastimáveis.4

Em 1998, o país experienciou uma guerra civil que durou quase um ano. Entretanto, de lá para cá, a nação guineense foi obrigada a enfrentar um cíclico infindável de conflitos políticos militares, com múltiplas implicações em diferente área fulcrais de desenvolvimento para qualquer que seja nação. Assim sendo, a situação do país pós conflito de 1998 foi degradante, inclusive com direito a destruição total das infraestruturas do INEP que guardava todas as informações acerca da história do país, a produções científica nas áreas de ciências sociais e econômicas,11 como bem referenciamos em cima. Estou citando INEP, dentre várias instituições destruídas, porque um país sem memória do seu passado é um país sem futuro. Um país sem futuro é aquele país que não pensa em melhorias condições de saúde e educação do seu povo no presente. Dito isso, na Guiné-Bissau as lutas fratricidas (no campo da política) está deixando o povo a própria sorte.

A partir de agora, tentarei explanar sobre o reflexo dessas lutas políticas fratricidas no meio ambiente (na floresta) guineense. Com isso, é coerente dizer (novamente) que não foi só o INEP e outras instituições de Estado que foram destruídos com as lutas fraticidas no campo da política na Guiné-Bissau. A floresta guineense também vem sofrendo a destruição desenfreada, sobretudo depois de conflito político militar de 1998. E essa destruição ficou mais gritante depois do golpe de Estado de 12 de abril de 2012. Sim, além do conflito político militar de 7 de junho de 1998, tivemos o golpe de Estado de 12 de abril de 2012 e outas inúmeras tentativas de golpes com mesmo intuito: o controlo do aparato burocrático do Estado guineense.4

Isso dito, antes de tudo, sendo africano, é bom explanar um pouco sobre a concepção africana para com o meio ambiente, a floresta. Na cosmovisão africana não se abre mão, pelo menos, de duas coisas: o respeito ao um velho/a e o cuidado para com a natureza. Essas duas categorias, o velho e a natureza, são expressões viva da ancestralidade/ do sagrado para um africano, por isso merecem todo respeito e cuido, respectivamente. Nesse sentido, faço referência aqui sobre um adágio popular africano, que diz o seguinte: “um velho que morre é uma biblioteca que se queima”.

A natureza, na concepção africana, alberga vidas e histórias dos que já partiram, dos que já se ancestralizaram. Com isso, destrui-la é como se fosse atacar o fogo numa biblioteca, apagar todo o percurso histórico dos ancestrais.

Com o avanço do capitalismo, essa concepção do ser africano para com a natureza vem sofrendo ataques e distorções. Segundo a literatura, de todas as grandes regiões tropicais do mundo, a África Ocidental tem a infeliz reputação ser a região onde, recentemente, tem havido uma degradação mais rápida dos recursos naturais e da biodiversidade. Na Guiné-Bissau, apesar da exploração desenfreada da floresta, instigado pelo capital internacional, e com ambiente democrático interno fragilizado, ainda existe um patrimônio de valor verdadeiramente excepcional que resiste essa concepção desumana e excludente.

O litoral guineense é caracterizado por uma plataforma continental ampla e rasa, onde se encontra os arquipélagos dos Bijagós. Os recursos em peixes, crustáceos e moluscos são explorados mais pelas frotas das organizações internacionais, principalmente pelas as da União Europeia, para abastecimento externo.12 A extensa e produtiva área de bancos de areia vasa acolhem uma das maiores concentrações de aves aquáticos migradoras de todo o continente africano. A biodiversidade da Guiné-Bissau não tem um significado simplesmente aditivo, relativamente à restante da biodiversidade mundial.

Embora com uma dimensão superficial relativamente reduzida/pequena, o território da Guiné-Bissau tem uma vasta diversidade de tipos de vegetação e espécies de plantas, dada a sua localização numa região de transição climática. Os principais tipos de vegetação florestal na Guiné-Bissau são floresta densa, floresta aberta, palmar e savana arborizada. Segundo os especialistas, características florestais essas atraem devastação associada ao capital internacional, devido a qualidades dos produtos/madeiras que dela podem ser retiradas/extraídas (Figura 1).12

Figura 1. Transportação de madeira
Fonte: Disponível em: https://encrypted-tbn3.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcQ4DgrlXhRC20w2OTePK_VD7kTenhLXG0ad-y9hkeW32xc3pcRg. Acessado: 20 de maio de 2023.

Há quem sustente que a qualidade de madeira que a floresta guineense fornece faz dela ser uma das mais cobiçada, gerando assim uma devastação em grades proporções. E num cenário de instabilidades, no campo da política, fica mais que evidente o aproveitamento das grandes empresas estrangeiras no que concerne ao abate de árvores para extração da madeira (Figura 2).12

Figura 2. Serração da madeira
Fonte: Disponível em: https://www.fatimamissionaria.pt/wp- content/uploads/2020/10/madeira_00507871_1_1.jpg. Acessado: 20 de maio de 2023.

Não encontramos estudos que trazem dados, quilometragens, sobre as áreas devastadas na Guiné-Bissau, de 2012 até data presente. Assim sendo, finalizando, gostaria de fechar essa minha reflexão falando sobre uma das mais graves crise política recente na Guiné-Bissau, o golpe de Estado de 12 de abril de 2012. Depois desse golpe de Estado, a floresta guineense sofreu duras devastações nunca antes vistas.

Segundo Sousa,4 o Estado guineense e as instituições políticas e militares estão completamente minados pela crise de autoridade que atrofia o desenvolvimento interno e contribui para o descrédito a nível externo. É pela notória decadência do Estado e das instituições políticas e militares, nunca antes vista, e por uma não menos evidente, a deterioração do nível de vida das populações, que as atuais crises se diferenciam das que assolaram o país nas três repúblicas: (i) (1974–1980); (ii) (1980-1994); e (iii) (1994–1998) República. Apesar de situações experienciadas, algumas delas muito graves, a existência do Estado, enquanto tal, nunca chegou a ser ameaçada tão seriamente como em 2012.4

Como estamos falando de um Estado que funciona sob modelo de Estado de tipo burguês, não tem como isentar participação da burocracia nas lutas fratricidas que país vem enfrentando desde pós independência.3 Todos os conflitos político/militar, na Guiné-Bissau, são passíveis de serem associados a uma tentativa de controlo absoluto da burocracia do Estado, por determinados segmentos políticos. Reportando Narciso3(315) “[...] a definição de golpe de Estado como uma prática política típica da burocracia, que, agindo sozinha ou em conluio com os representantes políticos, usurpa o exercício de poder de ramos do aparelho de Estado”.

A literatura guineense que traz uma reflexão sobre as cíclicas instabilidades política, pouco analisou a questão da vontade política incessante de controlo absoluto da burocracia do Estado por certos segmentos partidários/políticos. A centralidade da discussão sobre essa problemática está mais direcionada a crises estruturais (político, militar, econômico, social e moral). Isto significa, a grosso modo, que o que tem ocupado, de fato, todos os debates e as preocupações de alguns intelectuais, da classe política e dos organismos internacionais, tem sido, tão somente, a crise estrutural: principalmente a crise no setor da defesa e segurança. Nesse sentido, constata-se a prioridade que se tem dado à reforma neste setor.

Talvez, por isso é que ainda hoje, nos meios civis e políticos da Guiné-Bissau, quando se fala dos combatentes da liberdade da pátria e das nossas Forças Armadas, a reação que é habitual de ouvir é a de que são um dos maiores culpados pela situação de instabilidade que tem assolado o país. É em virtude disso, muitos têm defendido a passagem à reforma/aposentadoria e desmobilização quase que compulsiva como as únicas soluções capazes de obstruírem as inúmeras interferências dos militares na vida política nacional.4(22-23)

Por outro lado, reportando Sousa,4 a instabilidade política na Guiné-Bissau deve-se também ao narcotráfico, a ódios antigos e novos problemas associados aos boatos, rumores, intrigas e inveja que sequestraram o Estado, as instituições públicas e a vida quotidiana. Por último, sem ser necessariamente o último, a falta de um projeto nacional de desenvolvimento. Sem um projeto nacional de desenvolvimento de Estado, o controle da burocracia guineense passa a ser a meta a ser atingida/alcançada.

Ainda que seja difícil estabelecer objetivamente a fronteira entre a responsabilidade dos políticos e a dos militares nas crises dos últimos anos, uma coisa podemos afirmar: uma reforma da classe política/militar e dos partidos seria um dos passos decisivos para acabar com as cíclicas instabilidades políticas/ lutas fratricidas. A política, enquanto atividade nobre de dedicação plena e exclusiva ao povo, na concretização das suas aspirações, não pode ser aberta aos homens que só pensam em enriquecimento pessoal e familiar. As instituições burocráticas não podem ser controladas ao ponto de funcionarem sob hospício de uma determinada personalidade política ou partidária.4 Tendo o país (a Guiné-Bissau) do jeito que está, sob controle burocrático de alguns partidos políticos, a devastação florestar jamais cessaria. Pela a nossa localização geográfica, vulneráveis a qualquer subida do mar, me parece que num futuro, não tão distante, a Guiné-Bissau não enfrentará só os problemas relacionados aos golpes de Estado, mas sim os de cunho ambiental.

Considerações finais

Sendo um país marcado pelas lutas fratricidas incessantes, a Guiné-Bissau experienciou cíclicas instabilidades política desde pós independência. Entretanto, essas lutas podem ser associadas ao controlo absoluto do aparato burocrático do Estado guineense, por algumas legendas políticas ou personalidades partidárias. Dito isso, través de um pequeno e breve passeio literário sobre a história política guineense, percebemos que pouco se fala dos reflexos das cíclicas instabilidades política no meio ambiente/floresta. Nesse mesmo passeio literário, não encontramos estudos que propusessem refletir sobre o papel da burocracia nas mais variadas crises políticas que a nação/povo guineense já experienciou e vem experienciando. A estrutura do Estado guineense tem como base o modelo de Estado de tipo burguês. Com isso, falar da devastação florestal cunhada pela as instabilidades no campo da política, é trazer por centro da discussão a questão da participação burocrática nessas crises política. Se o país enfrenta uma incomensurável devastação florestal desde 2012 até os dias atuais, isso é reflexo de o quão a burocracia estatal vem sendo disputada. Ou seja, queremos dizer com isso que, a disputa pelo controlo absoluto da burocracia na Guiné-Bissau é diretamente proporcional a devastação florestal.

Referências

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