Crit Revolucionária 2022;02:e001
ENSAIOS

doi: 10.14295/2764-4979-RC_CR.v2-e001

Pensamento econômico e saúde: a crítica de Braga e Paula à visão neoclássica revisitada

Economic thought and health: a revisited Braga and Paula's critique of the neoclassical approach reviewed

Pensamiento económico y salud: la crítica de Braga y Paula a la visión neoclásica revisada

Leonardo CARNUTi, Áquilas MENDESii

iUniversidade Federal de São Paulo - Unifesp, Centro de Desenvolvimento do Ensino Superior em Saúde - CEDESS, Programa de Pós-graduação de Ensino em Ciências da Saúde. São Paulo, SP, Brasil
iiUniversidade de São Paulo - USP, Faculdade de Saúde Pública - FSP, Departamento de Política, Gestão e Saúde; Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Faculdade de Economia, Administração, Contábeis e Atuariais; Departamento de Economia - PUC/SP. São Paulo, SP, Brasil

Received June 15, 2021
Accepted August 30, 2021

Autor de correspondência: Leonardo Carnut leonardo.carnut@unifesp.br


Resumo
Este artigo analisa a trajetória do pensamento econômico e a questão da saúde, a partir da revisita à contribuição de Braga e Paula, buscando ressaltar sua crítica à visão neoclássica para repensar 'o econômico' na saúde no contexto contemporâneo. Optou-se pelo formato de ensaio como modalidade textual e utilizou-se a perspectiva de análise da episteme do método, tendo como intencionalidade uma meta-análise da crítica elaborada por esses autores, reatualizando-a. O artigo está estruturado em duas partes. A primeira analisa a trajetória histórica sobre a relação da saúde com o pensamento econômico, descrita por Braga e Paula, em 1981, no primeiro capítulo do seu livro "Saúde e previdência: estudos de política social". A segunda parte se dedica a atualizar a crítica dos autores aos dias atuais, ressaltando suas contribuições, para refletir sobre o cenário da saúde no capitalismo contemporâneo. Por fim, breves considerações finais são apresentadas.

Descritores: Economia Política; Pensamento Econômico; Saúde Coletiva; Economia da Saúde; Política.

Abstract
This article analyzes the trajectory of economic thought and the health issue, based on a review of the contribution of Braga e Paula, seeking to reshape their criticism of the neoclassical vision to rethink 'the economics' in health at contemporary context. We opted for an essay format as a textual modality and the perspective of analysis of the method episteme was used, having as intentionality a meta-analysis of criticism elaborated by these authors, re-updating it. This paper is structured in two parts. The first analyzes the historical pathway about the relation of health and economic thought, described by Braga e Paula, in 1981, in the first chapter of their book named "Saúde e previdência: estudos de política social” (Health and Welfare: social policy studies). The second part is dedicated to updating the criticism of these authors, resuscitating their contributions, to reflect on health scenario in contemporary capitalism. Finally, brief final considerations are presented.

Descriptors: Political Economy; Economic Thought; Public Health; Health Economics; Politics.

Resumen
Este artículo analiza la trayectoria del pensamiento económico y el tema de la salud, a partir de la revisión de la contribución de Braga y Paula, buscando resaltar su crítica a la mirada neoclásica para repensar 'lo económico' en salud en el contexto contemporáneo. Se eligió el formato de ensayo como modalidad textual y se utilizó la perspectiva de análisis de la episteme del método, teniendo como intención un metaanálisis de la crítica elaborada por estos autores, actualizándolo. El artículo está estructurado en dos partes. El primero analiza la trayectoria histórica de la relación entre salud y pensamiento económico en la que Braga y Paula, en 1981, que describen en el primer capítulo de su libro "Saúde e previdência: estudos de política social” (Salud y seguridad social: estudios de política social). La segunda parte está dedicada a actualizar la crítica de los autores a los días de hoy, destacando sus aportes para reflexionar sobre el escenario de salud en el capitalismo contemporáneo. Finalmente, se presentan breves consideraciones finales.

Descriptores: Economía Política; Pensamiento Económico; Salud Pública; Economía de la Salud; Política.


Introdução

Nos últimos 33 anos, com a implementação do Sistema Único de Saúde - SUS no Brasil, a saúde se tornou um direito universal, contudo, o mundo contemporâneo, atravessado pela hegemonia do pensamento neoliberal, de matriz neoclássica, não suportava mais a ideia da universalidade dos direitos sociais.

Na realidade, desde 1980, Dardot e Laval1 argumentam que o movimento do capitalismo tem sido marcado por uma nova razão do mundo, cunhada pela racionalização e modernização da administração pública, cujos autores denominam a grande virada neoliberal. Segundo eles, não foi possível identificar a retirada do Estado da economia, mas, ao contrário, viemos assistindo a uma particular forma de sua presença, completamente associada à dinâmica do capital.

Tal razão do mundo foi sendo adotada na lógica das políticas públicas, em geral, e na saúde, em particular. Trata-se de reconhecer que vivemos em um paradoxo, na medida em que a introdução do acesso universal à saúde teve de conviver com o crescimento de um pensamento apoiado na defesa dos interesses mercantis. Foi na contradição desses pensamentos que foi forjado o processo de construção do SUS.

Nesse sentido, refletir sobre o pensamento econômico e a questão da saúde contribui para complementar melhor o lugar e o conteúdo que a visão neoclássica vem ocupando ao longo da história do capitalismo nos séculos XX e XXI. Sobre esse tema, no Brasil, destaca-se a contribuição de Braga e Paula,2 que buscam desvendar a natureza de uma política social, como a saúde, no decorrer do desenvolvimento do capitalismo, que não somente cresce como problema coletivo, mas também adquire espaço no pensamento econômico-social.

Assim, parte do trabalho de Braga e Paulaa é dedicada à contestação dos neoclássicos,2 a partir do entendimento dos autores acerca da atenção à saúdeb, praticamente restrito às questões microeconômicas da indústria do cuidado e cujos destaques se voltam aos seus aspectos administrativos. O resgate dessa crítica e a atualização de sua contribuição aos dias atuais nos parecem fundamentais para compreender e enfrentar a predominância da perspectiva neoclássica frente às transformações contemporâneas na produção da saúde.

Cabe lembrar que Braga e Paula escrevem em um momento importante de crise no setor saúde no Brasil (Saúde Pública e Medicina Previdenciária), que é sem dúvida uma grande motivação para a elaboração da obra. A crise é identificada fundamentalmente a partir de dois aspectos: (i) os reflexos do desenvolvimento econômico nacional na saúde da população, amplamente demonstrados pelas péssimas condições epidemiológicas; e que (ii) o funcionamento do setor produtivo estruturado até aquele momento drenava cada vez mais recursos financeiros e apontava para uma grave crise no sistema previdenciário. Ou seja, gastava-se muito, sem apresentar resultados para a sociedade. Essa aparente "disfuncionalidade" do arranjo produtivo no setor de saúde vai se coadunar com toda a crítica aos neoclássicos elaborada por eles no primeiro capítulo.

Parte-se do pressuposto de que rever o pensamento é uma atividade essencial para perceber em que lógicas um objeto é forjado do ponto de vista da construção do conhecimento. Assim, ao revisitar o pensamento constituinte de um campo, é possível compreender quais interesses, processos, pressupostos e intencionalidades estão em disputa. Além disso, discutir esse cabedal nos instiga ao pensamento crítico sobre o próprio objeto e sobre que retórica o hegemoniza, ajudando a identificar a sintonia ou diacronia com o contexto sócio-histórico em que a discussão está imersa e, ainda, com quais projetos políticos está alinhada.

Portanto, é pertinente afirmar que se optou pelo formato ensaístico como modalidade textual na tentativa de não se enrijecer metodologicamente,3,4 a ponto de permitir a liberdade necessária no resgate livre dos excertos e dos autores que reatualizam a crítica. No entanto, para manter certa coerência analítica, utilizou-se a perspectiva de análise da 'episteme do método', frequentemente utilizada nos estudos das ciências da educação,5 cujo objetivo é identificar racionalidades de compreensão de um objeto que justificam determinadas formas de apreensão. Claramente, este estudo assume uma característica de um estudo meta-analítico6 da crítica elaborada por Braga e Paula, contudo, é prudente reiterar que nosso pressuposto visa a demonstrar a coerência e a pertinência da crítica desses autores ainda no contexto sócio-histórico brasileiro atual.

Por isso, o nosso objetivo com este ensaio é analisar a trajetória do pensamento econômico e a questão da saúde, a partir da contribuição de Braga e Paula, buscando ressaltar sua crítica à visão neoclássica para repensar o econômico na saúde no contexto contemporâneo. O artigo está estruturado em duas partes. A primeira analisa a trajetória histórica sobre a relação da saúde com o pensamento econômico, em que Braga e Paula2 descrevem, no primeiro capítulo do seu livro, "Saúde e previdência: estudos de política social"c. A segunda parte se dedica a atualizar a crítica dos autores aos dias atuais, ressaltando suas contribuições para refletir sobre o cenário da saúde no capitalismo contemporâneo. Por fim, breves considerações finais são apresentadas.

A trajetória do pensamento econômico e a saúde: contribuições de Braga e Paula

Muitas vezes, ao longo do pensamento econômico e na trajetória histórica da acumulação do capital - desde os mercantilistas (século XVI), passando pela economia política clássica (inclusive sua crítica com Marx) à teoria neoclássica -, a questão da saúde não é tratada diretamente, mas pode ser reinterpretada à luz dos argumentos expostos por esses pensamentos econômicos. Já em outros momentos, a saúde passou a ser colocada no centro das reflexões do pensamento econômico, quando, por exemplo, da utilização da teoria do subdesenvolvimento latino-americano, elaborada pela Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), nos anos 50 do século XX.

Mesmo sobre esses afastamentos e aproximações entre saúde e pensamento econômico, Braga e Paula2 descrevem que grande parte do pensamento econômico:

já continha noções e conceitos que permitiam entender com alguma precisão como as relações sociais de produção condicionavam não só o estado de saúde da população, como também os cuidados à saúde promovidos pelo Estado.2(1)

Os autores, por sua vez, argumentam que o surgimento da questão da saúde como objeto específico, não só da ciência econômica, mas também da política econômicad, é decorrente do avanço do capitalismo e de seus conflitos. Especialmente, quando se analisa a diferença entre as estruturas capitalistas desenvolvidas e as estruturas subdesenvolvidas. Nas palavras dos autores, tem-se que:

a atenção à saúde era apresentada como um elemento transformador, capaz de arrancar as nações "arrasadas" de sua estagnante pobreza. Evidentemente, a tal formulação seguiu-se sua crítica.2(2)

Por isso, refazer esse percurso sobre a questão da saúde na trajetória do pensamento econômico descrito por Braga e Paula2 é fundamental para compreender a historicidade do debate.

A saúde no mercantilismo

O mercantilismo é o pensamento econômico que vigorou em meados do século XVI e XVII, na Europa, especialmente na Inglaterra, conforme Marx7 denomina de período da assim chamada acumulação primitiva do capital. Braga e Paula,2 sobre esse período, referem que a acumulação prévia do capital comercial foi essencial para a formação do capital industrial.

Para ficar claro, os autores chamam a atenção para o fato de que, do ponto de vista político, o mercantilismo tem sido frequentemente descrito como uma política de poder e uma concepção da sociedade. Trata-se de uma política econômica apoiada nos pilares: protecionismo, balança comercial favorável, metalismo e colonialismo. Assim, o Estado Absolutista teve um papel muito importante para a acumulação primitiva.

O bem-estar da sociedade era tido como idêntico ao bem-estar do Estado. "Raison D'État" seria o fulcro de sua política social. Como em qualquer moderno Leviatã, a pergunta relevante já era: que caminho o governo deve seguir para aumentar o poder e riqueza nacionais? E as respostas: primeiro, buscar dispor de uma grande população; segundo, prover tal população num sentido material; e terceiro, colocá-la sob controle do governo, de modo a ser usada segundo as exigências da política pública.2(2)

Os autores enfatizam a diferença entre os mercantilistas e os economistas clássicos,8,9 sendo que estes últimos se concentram na discussão da formação e da distribuição do valor construindo uma teoria da produção e uma teoria da repartição da renda. É claro que esses temas estão articulados a seu tempo histórico: o tempo do Capitalismo Industrial. Já os mercantilistas, por serem efetivamente políticos, "buscavam interferir na atividade do Estado, sugerindo medidas que contribuíssem para o aumento da Riqueza da Nação".2(4)

Ao se apoiarem na revelação de Foucault, os autores chamam a atenção que "o saber médico anterior ao nascimento da clínica via a questão da saúde não apenas como um problema do corpo em si, mas como uma consequência da interação entre o corpo e o mundo que o cercava”.2(4; grifo nosso)

Nesse ponto, os autores argumentam que duas visões marcavam a pré-história das ciências: a interação homem-meio ambiente e a interferência do Estado na atenção à saúde. Entre os pensadores mercantilistas, destaca-se a figura de Willian Petty10 - médico, economista e filósofo que viveu entre 1623 e 1687 -, com preocupações sobre: impostos, comércio, população, educação, a peste etc.

Para ele, as questões da saúde estavam relacionadas basicamente à fertilidade natural e à população. Essas eram as condições básicas para a prosperidade nacional. "Era dever do Estado estimular o progresso da medicina".2(4) Na realidade, para ele, a vida humana deve ser reduzida à capacidade de trabalho. Mais tarde, os economistas neoclássicos vão retomar essa ideia-força. Eles concebem "o ser humano apenas como capacidade de trabalho: na teoria do capital humano, o homem é reduzido a mero elemento da produção".2(5)

Seguidor de Hobbes, Petty defendia a presença marcante do Estado para tratar das questões da riqueza nacional. Dizem os autores que ele:

aceitava a tese de que o governo estava justificado ao desenvolver medidas políticas ou institucionais pelas quais aumentasse o poder e a riqueza nacionais, reconhecendo ao mesmo tempo que cabia à política pública objetivar a melhoria dos padrões de vida da população, esta deveria ser tão numerosa quanto possível, mas composta de pessoas saudáveis e felizes.2(5)

Nesse contexto, Petty se dedica ao estudo da Aritmética Política, isto é, calculava o tamanho da população buscando determinar "o estado das populações, com o interesse voltado para os vários elementos (entre os quais, as doenças) que poderiam fazer com que o número de pessoas aumentasse ou diminuísse".2(6)

Os autores argumentam que as ideias dos mercantilistas não alcançaram resultados efetivos na medida em que não havia um mecanismo administrativo nos níveis local e regional operando sob controle central. A administração na Inglaterra somente vai atingir um amplo espaço nacional depois da Lei dos Pobres (1834). Na realidade, isso será possível apenas em meados do século XIX com a industrialização e a urbanização. Somente nesse período a saúde passa a ser uma preocupação nacional.

Os autores lembram que apenas nos Estados alemães tais proposições teóricas se traduziram em medidas políticas (monarquia absolutista como um aparelho administrativo). Daí, os autores chamam a atenção para o conceito de polícia médica com relação aos problemas de saúde e doença.2 Escritores alemães já chamavam a atenção para o termo polícia (administração do Estado), e Braga e Paula2 comentam que o mercantilista alemão que trata disso é Veit Ludwig von Seckendoff (1626-1692). Para ele, o Estado deveria se preocupar com a salvaguarda da saúde da população, de modo que aumente seu número. Assim, um programa governamental deveria conter: manutenção e supervisão de parteiras, o cuidado aos órfãos, a designação de médicos e cirurgiões, a proteção contra a peste, o uso excessivo do tabaco e de bebidas alcóolicas, a inspeção dos alimentos e da água, as medidas de limpeza e drenagem das ruas, a manutenção de hospitais e a assistência aos pobres.

Braga e Paula2 sintetizam as contribuições e limitações do mercantilismo em três aspectos: (i) a saúde é uma questão socioeconômica, extravasando os limites da prática médica; (ii) deve-se encarar a saúde como problema de administração pública (negócio da política econômica); e (iii) a intervenção encontra limitações, por se tratar de um incipiente conhecimento da prática médica e do baixo nível de organização administrativa do Estado.

A rigor, o pensamento dos mercantilistas reconhece a integração dos campos ciências da saúde e ciências sociais - a organização administrativa permitia uma atuação do Estado.

Formação do capitalismo e saúde das populações

Dizem Braga e Paula que é a partir da implantação do capitalismo que surge o que Mário Magalhães da Silveira considera as condições essenciais para a melhoria da saúde das populações:

Já em 1948, num trabalho criticando o Plano SALTE, afirmava ele: 'Na história da civilização, a saúde das populações só melhora quando, no processo de produção, é possível substituir a energia humana pele energia derivada dos combustíveis minerais'. Esta feliz formulação chama a atenção não tanto para a questão do desgaste físico do trabalhador, mas sim para o fato de que a utilização de máquinas movidas a carvão e posteriormente a petróleo teve como resultado uma maior capacidade produtiva, uma maior produção e, portanto, um maior consumo social. E é exatamente este maior consumo, e não a melhor assistência à saúde, que possibilita uma vida mais longa e mais saudável.2(7,8; grifo nosso)

Reforça-se, aí, o avanço das forças produtivas: melhora da saúde ou a melhoria das condições materiais de vida e, portanto, melhoria de saúde.

Assim, percebe-se a contradição da ideia - "E é exatamente este maior consumo, e não a melhor assistência à saúde, que possibilita uma vida mais longa e mais saudável".2(8) Discutindo criticamente essa ideia da elevação do produto social como condição necessária, mas não suficiente, para o aumento do consumo, os autores fazem a pergunta: como se comportou o padrão de vida nos primeiros anos da Revolução Industrial?

Nesse momento, os autores vão discutir 4 fatores básicos que estavam por trás das taxas de mortalidade relativamente elevadas da época: (i) baixos salários - estado nutricional; (ii) péssimas condições de trabalho; (iii) condições de habitação, higiene e saneamento; (iv) conhecimento médico de então - o desconhecimento médico.

Esses fatores começam a ameaçar o próprio processo de acumulação do capital. Entretanto, a burguesia industrial tinha outra preocupação, talvez mais importante:

o capital tinha fome de braços, e estes braços estavam ligados a troncos e pernas; só que estas pernas não poderiam circular por onde quisessem caso se tratasse de pernas desempregadas.2(9)

Reside aí a contradição entre o sistema de assistência aos pobres e a oferta elásticae da força de trabalho. Não se trata de assistencialismo, mas que a força de trabalho fosse regida por seu próprio interesse econômico.

Os autores falam sobre o significado da nova Lei dos Pobres (1834): "A economia de mercado afirmava e exigia que a força de trabalho se transformasse em mercadoria".2(10) Daí os autores se apoiarem em Foucault11 quando este chamou a saúde de uma medicina da força de trabalho. Segundo Braga e Paula, "Não é por acaso que esta nova concepção médica, esta prática de saúde pública surgiu atrelada à preocupação com a força de trabalho".2(9)

Os autores remetem a relação da proposta da medicina social, no âmbito da Revolução Francesa, à ideia de assistência médica. Apontam que a assistência médica não é mais colocada como uma caridade dos mais ricos ou do Estado, mas como um direito dos cidadãos. É com esse espírito que a medicina social passa a ser uma prática do Estado.

As soluções propostas eram, como a própria época, revolucionárias. Estabelece-se o direito de todos receberem assistência, inclusive médica, do Estado. Estabelece-se uma complexa sistematização de como seria prestada tal assistência, de como deveriam funcionar os hospitais etc. Embora posteriores acontecimentos políticos fizessem com que muitas das proposições não passem do papel, nem por isso sua importância deve ser minimizada.2(10,11)

Emerge, então, a ideia da saúde como controle dos corpos. Os autores diferenciam os países europeus e suas formas de intervenção.

Diferentemente da medicina urbana francesa e da medicina de Estado da Alemanha do século XVIII, aparece no século XIX - sobretudo na Inglaterra - uma medicina que é essencialmente um controle da saúde e do corpo dos pobres para torná-los mais aptos ao trabalho e menos perigosos para os ricos.2(11)

Também vale comentar o papel da medicina preventiva como necessidade do capital. Braga e Paula2 lembram o resultado da Lei dos Pobres, o estabelecimento da ideia e da prática da Saúde Pública aos moldes que até hoje persistem: ênfase numa medicina preventiva com destaque para higiene e saneamento do meio, apoio às atividades da comunidade e consideração pelos aspectosf socioeconômicos.

A medicina social inglesa permitiu a realização de três sistemas médicos superpostos e coexistentes: uma medicina assistencial destinada aos mais pobres, uma medicina administrativa encarregada de problemas gerais como a vacinação, as epidemias, e uma medicina privada que beneficiava quem tinha meios de pagá-la. Assim, o tratamento da saúde pública como tratava Edwin Chadwick12 - pai da saúde pública - deveria compor:

a criação de um sistema de estatísticas vitais, que esclarecesse e orientasse a ação no tocante à redução dos níveis de mortalidade e morbidade; segunda, a ideia de que, ao abandonar a política paternalista e pré-industrial de assistência aos pobres, o Estado deveria assumir como seu encargo providências necessárias para melhoria das condições urbanas e o fornecimento de certo tipo de assistência médica, principalmente preventiva; e, finalmente (embora partindo de uma concepção equivocada das causas das doenças - Chadwick acreditava na teoria dos miasmas, segundo a qual emanações provenientes da terra e de detritos e sujeira em geral seriam as causas das doenças), uma decidida campanha contra a sujeira, os detritos e a falta de higiene que caracterizavam os bairros pobres da época, afirmando que 'a saúde pública era basicamente uma questão de engenharia' e que as taxas de mortalidade e morbidade só diminuíram com a melhoria das condições de saneamento e higiene, posição até hoje reputada correta.2(12)

É nesse quadro geral da atenção à saúde na época, dizem os autores, que cabe refletir sobre o pensamento econômico produzido na implantação do capitalismo industrial: é esse o momento em que se constitui a Economia Política enquanto campo de um saber específico. A ênfase dessa nova ciência se faz por meio da construção de uma teoria do valor-trabalho e de uma teoria da produção e da repartição da renda.

Os economistas clássicos, assim como Marx e Engelsg não pensaram a questão da saúde como objeto da ciência econômica. No entanto, desenvolveram uma série de instrumentos para a reflexão sobre a interação entre atividades econômicas e saúde das populações. Por isso, a saúde aparece principalmente ligada às suas análises populacionais, à questão do mínimo de subsistência e ao processo de trabalho.

Pensamento econômico na revolução industrial: suas contribuições para a reflexão sobre a questão da saúde

Na revolução industrial, o auge da Economia Política acontece. O pensamento era centrado num entendimento do todo social de forma conjunta. Seus autores atuavam de forma ativa na sociedade, opinando em questões políticas, sugerindo modificações legais e institucionais. Desenvolveram instrumentos importantes para a reflexão econômica sobre a saúde, sem discuti-la de forma direta. Os autores centravam suas análises na estrutura produtiva e alocativa do capitalismo, o processo produtivo.

Smith,8 por exemplo, apoiava-se em temas que julgava serem principais: divisão social do trabalho; a especialização do trabalho, o processo de troca de bens e serviços como um processo social em que o trabalho é indicado como medida real de valor daqueles bens. A ele seguem Ricardo9 e Marx7 - o trabalho fabril, considerado como determinante do nível de saúde. Todos discutem a teoria do valor-trabalho, com diferenças, o que tem implicações concretas para a análise da questão saúde.

Ricardo9 também se preocupa com a teoria da distribuição da renda, com base no problema da escassez. Braga e Paula2 argumentam que:

embora não trabalhassem com o conceito propriamente dito, os clássicos preocupavam-se com os efeitos da saúde e de seus agravos. A questão da saúde [...] jamais aflora à superfície. Não se pensa em mortalidade, como também não se pensa em qualidade da vida, em níveis de saúde. Pensa-se, apenas, em subsistência, ou seja, no simples sobreviver, sendo a vida um dado que não é qualificada.2(14)

Outro problema que está articulado nas ideias dos clássicos com a questão da saúde, principalmente em Ricardo, é o problema do crescimento populacional - relação entre crescimento populacional e oferta de alimentos. Daí a importância do controle da natalidade. De certa forma, a questão da saúde e da mortalidade é elemento fundamental. Assim, vale a pena comentar a preocupação de Ricardo,9 apud 2(15) que

aliou a lei populacional de Malthus a sua própria apresentação dos rendimentos decrescentes na agricultura para explicar os salários em nível de subsistência como uma tendência do sistema capitalista por ele analisado.

Marx vai criticar duramente Ricardo e o próprio Malthus13 - economia vulgar para ele -, conforme apontam Braga e Paula:

A população não é determinada por um limite absoluto na produtividade dos alimentos. Pelo contrário, são as condições determinadas de produção que lhe fixam os limites e determinam também o nível da superpopulação.2(15)

Os autores, ainda, citam Malthus,13 para relacionar seu pensamento à determinação social da doença, ao criticar a industrialização e a urbanização. No entanto, segundo os autores, Marx7 é quem realmente desenvolveu reflexões diretamente relacionadas com a problemática da saúde, ao se preocupar com o capitalismo como uma relação social entre o capital e o trabalho, nas condições do processo de produção como um todo e no processo de trabalho (mais-valia relativa e mais-valia absoluta). Daí se percebe como o processo de produção está enraizado na determinação social da saúde e da doença. Essa ideia é explicitada a partir de duas razões, conforme esses autores:

a primeira é que Marx e Engels assumem uma posição ideológica de defesa da classe operária; a segunda, é que metodologicamente assumem a postura de analisar a sociedade como um todo: embora dando primazia aos aspectos econômicos na determinação da estrutura social, veem as questões econômicas, políticas e ideológicas como intimamente entrelaçadas.2(16)

Cabe a continuidade da leitura das ideias de Marx conforme Braga e Paula apresentam, levando-nos à sua leitura.

Marx não parte da distribuição do produto social para determinar o nível de salário e de subsistência, como faz Ricardo. Inverte o sentido do raciocínio e parte das relações de produção, que terão como consequência a determinação daquele nível de subsistência. Este variará historicamente. Nos momentos iniciais do desenvolvimento do capitalismo - a que Marx assistiu - e, mais tarde, no quadro das economias capitalistas subdesenvolvidas, a tendência era a de reduzir tanto quanto possível os níveis salariais e de subsistência. Na medida em que o capitalismo amadurece, entretanto, duas forças agem no sentido da melhoria de tais níveis: economicamente, a ampliação e barateamento da produção de bens de consumo proporcionados pela elevação da produtividade do trabalho exige a criação de novos consumidores, obtidas através da melhoria dos níveis salariais. Ao mesmo tempo, a progressiva organização da classe operária capacita-a a lutar econômica e politicamente por seus interesses, contrapondo-se aos capitalistas.2(16,17)

De forma sintética, Braga e Paula argumentam que, "para Marx, a grande indústria movida por um processo de trabalho destinado a valorizar o Capital tem efeitos prejudiciais à saúde dos trabalhadores".2(18) Isso é bem tratado nos capítulos do Livro I de "O Capital - A Jornada de Trabalho, a divisão de trabalho, a manufatura, maquinaria e a grande indústria". Nesses capítulos, Marx7 cita estatísticas sobre a saúde e os níveis de mortalidade. Nesse caso, é possível admitir o argumento dos autores quando dizem que Marx7 vai mais além que seus antecessores na relação com a problemática da saúde. Na realidade, conforme os autores, Marx7 dá ênfase entre saúde e processo capitalista de produção e não apenas entre saúde e processo industrial.

Entretanto, até Marx,7 o pensamento econômico não se preocupou com a questão da atenção à saúde, até porque não existiam aparelhos de atenção à saúde - com exceção da polícia médica. Somente no final do século XIX, com a montagem e a estruturação de tais sistemas de atenção à saúde, é que o pensamento neoclássico será impulsionado.

O pensamento neoclássico

É com o pensamento neoclássico, e com seu principal interlocutor, Alfred Marshall14, que a questão da atenção à saúde ganha relevo e é incorporada como preocupação mais elaborada. A preocupação central dos neoclássicos é a microeconomia - a questão da eficiência da unidade produtiva e a melhoria de sua administração. Daí aparece a noção do campo da economia da saúde, conforme Braga e Paula2 apresentam na definição de Selma Mushkin15, da John Hopkins University, publicada na revista Public Health Report, em 1958, e bastante defendida nos tempos atuais do neoliberalismo:

Economia da saúde é o campo de investigação cujo tema é o uso ótimo de recursos para o cuidado de doentes e a promoção da saúde. Sua tarefa é avaliar a eficiência da organização dos serviços de saúde e sugerir meios de melhorar sua organização.15(19,20; grifo nosso)

Braga e Paula2 criticam essa visão com o seguinte comentário: "restringem a questão da saúde à análise de indústria do cuidadoh, atribuindo-lhe, na prática, as determinações dos níveis de saúde da população".2(20; grifo nosso)

Cabe lembrar que o pensamento neoclássico se articula à ideia da epidemiologia tradicional, positivista e de pensamento linear.16 É importante continuar apoiando-se na crítica dos autores que insistem que o pensamento neoclássico deixa de lado os elementos de reprodução do capital no setor saúde, reduzindo seu escopo à microeconomia (a atividade produtiva), como também todos os outros fatores a influenciar os níveis de saúde da população, como, por exemplo, a perspectiva crítica da promoção à saúde.17

Uma boa síntese do pensamento neoclássico com a questão da saúde é apresentada por Braga e Paula.2 Eles ressaltam o privilégio da análise dos efeitos da atividade produtiva sobre a saúde das pessoas, da avaliação dos efeitos da atenção à saúde em termos apenas do desempenho da atividade econômica (ganho em termos de tempo de trabalho, de produtividade etc.). Enfim, reduzem a uma análise de sua expressão contábil, em que saúde se restringe à simples capacidade produtiva. Dão ênfase, basicamente, à questão dos custos em saúde.

Ainda, Braga e Paula chamam atenção para vários problemas que o pensamento neoclássico teve que enfrentar por tentar considerar a atenção à saúde dentro da racionalidade de mercado. Comentam sua preocupação com o mercado de atenção à saúde, expondo as questões do lado da oferta e da demanda.

Do lado da oferta, os principais problemas são: (i) o lucro não é uma razão que explica o próprio mercado, isso porque a atenção à saúde tem sido prestada por instituições públicas não lucrativas; (ii) em segundo lugar, alguns serviços de saúde não são precificados, impedindo a sociedade de realizar uma avaliação de preferência; (iii) a alocação dos serviços se dá por uma mistura de decisões de mercado e administrativas estatais; e (iv) vem se firmando, ainda, uma fonte pagadora (Estado ou algum tipo de seguro), que tem problema para controle dos custos de produção. Do lado da demanda: (i) há problemas que devem ser analisados no tocante à ponderação racional de opções de escolha dos serviços (renda, mas não só); (ii) outra questão é a falta de conhecimento do consumidor (mercado assimétrico), logo, é geralmente o médico quem determina que tipo de serviço vai prestar ao paciente.

Os autores somam à análise da demanda e da oferta a questão da utilidade social. Daí a relação com a noção neoclássica da utilidade marginal. A lei da utilidade marginal expressa que, em uma relação econômica, a utilidade marginal decresce à medida que se consome mais uma unidade. A utilidade total de um bem cresce quando se consomem maiores quantidades dele, mas o incremento da utilidade marginal é cada vez menor. O consumidor tem satisfação com o consumo de um bem, mas a unidade seguinte já não lhe proporciona tanto prazer como a anterior.

Os benefícios se apresentam na compra de serviços de saúde para a prevenção ou cura de doenças contagiosas e são instâncias em que a demanda individual e o preço de mercado subestimam os benefícios totais e marginais.2(22)

Por esses argumentos, os autores insistem nas limitações dos neoclássicos, conforme a seguinte exposição:

a saúde é vista como capacidade de desempenho das funções produtivas; saúde, analiticamente, não é vista como sendo determinada pela estrutura socioeconômica; a melhoria de saúde é vista como uma função direta da estrutura de atenção à saúde; e nesta, não se vê o movimento do capital.2(23; grifo nosso)

É importante chamar a atenção, como fazem os autores, para as concepções privilegiadas pela então economia da saúde, tais quais: a operacionalização de unidades de atenção à saúde; os conceitos de risco e incerteza suavizados pela ideia de bem-estar, mas, sobretudo, o conceito do capital humano, que, a partir da década de 1950 - com Theodor Schultz -,18 ganha força na retórica neoclássica:

Notadamente a partir da década de 50 os economistas desta corrente mostram preocupação em analisar não só a quantidade de recursos empregados no desenvolvimento econômico, mas também sua qualidade, especificamente a dos recursos do trabalho, focalizando o 'volume de educação incorporada', o 'treinamento' e a 'atenção à saúde'. Os dispêndios nesses serviços são vistos como investimentos em capital humano e suas taxas de retorno são analisadas em termos de contribuições para o crescimento econômico e para a capacidade individual de ganho. Tal procedimento dá suporte ideológico à noção de que a saúde é funcional para o processo de acumulação e produção, e seus métodos tendem a se tornar a base analítica para a determinação política do nível apropriado de dispêndios em atenção à saúde.2(23,24; grifo do autor)

Ainda, os autores chamam a atenção, também, para o emprego das análises de custos: custo-benefício, custo-utilidade, custo-efetividade, em que se calcula o preço da vida humana, considerando o salário médio multiplicado pelos anos de vida ganhos com a efetivação da atenção médica.

É importante ressaltar na crítica ao pensamento neoclássico as reflexões de Illich.19 Esse autor apresenta comparações internacionais interessantes que demonstram que os níveis de saúde reagem inversamente à ampliação da rede de atendimento, porém, é necessário considerar que se trata de uma análise estreita quando se persegue uma perspectiva global do funcionamento da economia. Entre outras críticas dos autores aos economistas neoclássicos, destaca-se sua visão tecnicista, baseada em modelos abstratos, e, ainda, a-histórica. Daí insistirem no seu propósito: o problema da saúde vai reduzindo-se ao problema da atenção à saúde.

Saúde e subdesenvolvimento

Os neoclássicos continuaram a difundir suas ideias a partir da 2a Guerra Mundial, especialmente para os países subdesenvolvidos da América Latina. A melhor expressão disso é a contribuição da Teoria do Desenvolvimento de Rostow20 em "Etapas do Desenvolvimento Econômico: um manifesto não comunista". O desenvolvimento econômico pensado com base em uma teoria da produção, no avanço do progresso técnico, constituído da sociedade tradicional à maturidade industriali. Em suma, uma visão linear, etapista e mecânica do processo de desenvolvimento das nações. Daí a saúde e a educação passaram a ser consideradas como fundamentais para a questão da qualidade do trabalho. Nesse contexto, o conceito do círculo vicioso, conforme a citação que os autores fazem de Nurkse, em Myrdal,21 aparece como central no debate.

Os autores ressaltam na contribuição de Myrdal:21

a ideia do círculo vicioso traz em seu bojo uma importante consequência: reforça as proposições do planejamento como instrumento importante de 'modernização' da economia e como forma de intervenção do Estado em seus rumos. E ademais propiciará a introdução dos problemas de saúde como elementos do próprio processo de desenvolvimento econômico - agora não apenas como efeito, como já queriam alguns autores, mas como causa.2(28; grifo nosso)

Ao comentar o planejamento, os autores chamam a atenção para a contribuição da Cepal, em termos de pensamento econômico na América Latina. Para se ter uma ideia do pensamento cepalino, os autores comentam:

A partir de seus diagnósticos sobre as causas do atraso no crescimento econômico latinoamericano, onde se identificavam os "obstáculos" a ele, eram propostas medidas para eliminá-los, entre as quais se alinhava o planejamento centralizado de certas variáveis econômicas, tais como o investimento em alguns setores básicos, o desenvolvimento da infraestrutura econômica, etc.2(29)

Na prática, as ideias da Cepal se limitaram à questão da industrialização. Na década de 1960, os países latino-americanos avançaram na industrialização, mas não resolveram a questão do desenvolvimento social. Daí os autores citarem a Organização Panamericana de Saúde - OPAS e a "Carta de Punta del Este”:

A Carta de Punta del Este constituiu um marco no trabalho da Cepal e na história da planificação da América Latina. Nesta reunião, celebrada a nível de Ministros de Estado, decidiu-se que, para receber assistência da Aliança para o Progresso, cada Estado da América Latina teria que preparar um programa integrado para o desenvolvimento de sua economia. Como nova e importante medida, o programa deveria incluir o desenvolvimento social e integrá-lo no plano geral. Não se pode exagerar a importância desse fato. Foi a primeira vez que economistas e políticos aceitaram um enfoque desta natureza, e como se observará mais adiante, o mesmo foi fundamental para a planificação da saúde como parte integrante do desenvolvimento socioeconômico geral.2(29,30)

Novamente, ao se estabelecer relação com a mediação histórica, os autores lembram que, a partir dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos do pós-guerra, aumentaram a eficiência e a eficácia das ações de cuidado à saúde. Assim, emerge a importância de coordenar e controlar as ações de saúde. É nesse contexto que a questão do planejamento aparece como central, inclusive no setor saúdej, como forma de contribuir para o almejado desenvolvimento econômico nos países subdesenvolvidos.

Braga e Paula2 resumem, então, o contexto da preocupação da saúde nos países subdesenvolvidos, articulada com o importante papel do Estado (aumento dos gastos) e nas proposições dos órgãos multilaterais como a OPAS e a OMS - alargar investimentos em saúde. O trabalho de Winslow,22 publicado pela OMS, em 1952, "a ideia de que a melhoria da saúde seria capaz de transformar, por si só, o padrão do desenvolvimento de uma dada economia",2(32) resume bem essa ideia.

Portanto, a importância do planejamento em saúde ganha principalidade, especialmente com o método de planejamento que ficou amplamente conhecido na Saúde Coletiva: CENDES/OPASk, em 1965, utilizado em vários países da América Latina. Porém, mais adiante, foi identificada a limitação de um método racional de alocação de recursos, e a própria OPAS reconheceu esse aspecto afirmando que os processos de planificação não conseguiram alcançar a taxa de crescimento.

Os autores2 ainda avaliam que esse planejamento não considera os atores históricos de cada nação e trabalha com uma ideia de um agir neutro sobre as determinações sociais e econômicas. A partir daí, os autores vão usar suas assertivas mais críticas ao econômico na saúde, e por que não dizer à própria racionalidade incutida na atual economia da saúde.

Crítica aos procedimentos neoclássicos: proposições alternativas

Braga e Paula2 relembram as teses gerais do pensamento neoclássico e criticam, dizendo que o raciocínio desse pensamento é falso pelas seguintes razões:

em primeiro lugar, não existe uma relação necessária e suficiente entre melhor e maior aparato de atenção médica e melhores níveis de saúde coletiva; em segundo lugar, a prestação de serviços de saúde é uma instância da sociedade, sujeita - assim como os níveis de saúde da população - a uma determinação social mais ampla não tendo nenhum sentido pensá-la de maneira externa ao quadro da sociedade.2(34)

Os autores insistem em desqualificar as análises estatísticas dos neoclássicos, que mostram uma correlação inversa entre oferta de serviços de atenção à saúde e níveis de mortalidade e morbidade - discussão que já encontrava seus embriões em Illich, Dupuy, Barral e Berlinguerl.

Nas palavras dos autores:

A nosso ver, a questão dos níveis de saúde da população, suas determinações e as principais variáveis a influir sobre eles só podem ser entendidas quando se dá o passo que os neoclássicos sempre recusaram, ou seja, quando se examina as influências do 'ambiente externo' sobre a saúde das populações. Em outras palavras, as transformações nos níveis de saúde das populações devem ser vistas a partir das mudanças e melhorias em seus níveis de renda e sem seus padrões de vida; é fundamental, entretanto, que sejam consideradas as diferenças entre as classes sociais e que se esteja atento para os aspectos patogênicos do capitalismo e para os limites da atenção à saúde. O que aparece, então, embora não seja surpreendente, é brutal: quem é pobre morre primeiro.2(34,35)

Além disso, os autores mostram algumas estatísticas e comentam a fragilidade da indicação dos dados se analisados no interior da problemática da saúde. São necessárias explicações fora da atenção médica, como no caso da Grã-Bretanha, para reconhecer o papel do modo de produção à saúde das populações.
Assim, eles resumiram suas ideias principais, quando se faz uma análise da saúde, da seguinte maneira:

Vários fatores podem influenciar a saúde - entre eles, a região de residência, o sexo etc. - mas qualquer análise da saúde coletiva deve necessariamente levar em consideração as características específicas da produção industrial e das relações capitalistas.2(36)

1. Nisso reside a importância de entender a dinâmica do capitalismo, e, sobretudo, de sua fase contemporânea. Os autores afirmam que o capitalismo cria as suas próprias doenças, à medida que outras são sanadas. É nesse sentido que eles vão reafirmando a sua visão, especialmente na amplitude da análise da saúde. Grande parte de seus argumentos vem das citações de Berlinguerm e de Lojkinen. Os autores, ainda, após destacarem pontos importantes para a análise do setor saúde, reforçam o quanto a economia da saúde, ao final, toma a saúde como espaço de pura acumulação, com a conivência do Estado como cúmplice de tal função:

Com efeito, a partir de então a prática da assistência à saúde abandona suas características 'artesanais', deixando de ser exercida pelo médico isoladamente e passa a ter características técnicas e financeiras da grande indústria, tendo como espaço social apropriado o hospital moderno. [...] [Portanto, a economia da saúde visa] avaliar o comportamento do sistema de atenção à saúde - tal como definido anteriormente - levando em conta seu desempenho como "lócus" de acumulação de capital, de valorização do capital, de transformação técnica e social do processo de trabalho médico, como local político-ideológico de regulação pelo Estado de uma dimensão importante da vida das populações.2(39)

Para finalizar, cabe advertir, também, a limitação da análise dos autores. Por serem economistas, não abordam a problemática da disputa no interior dos diferentes interesses do Estado e seu papel no capitalismo. Especialmente neste momento contemporâneo, a articulação do Estado, a forma valor e a sua particularidade de predominância do capital portador de juros entendem-se como fundamentais.

Uma crítica revisitada: Braga e Paula, pensamento econômico e visão neoclássica no capitalismo contemporâneo

Braga e Paula nos ajudam a compreender a trajetória do pensamento econômico e sua relação com a saúde. Algumas questões sobre os desafios da saúde pública no Brasil no contexto do capitalismo contemporâneo emergem a partir da contribuição teórica de Braga e Paula2 quando reconhecemos que esses autores são clássicos, portanto, leituras obrigatórias sobre o pensamento econômico em saúde no Brasil.

Conforme Dardot e Laval,1 o neoliberalismo é a razão do capitalismo contemporâneo que determina um novo modo de governo dos homens de acordo com o princípio universal da concorrência, implicando redução dos direitos sociais, inclusive da política de saúde e intensificando mecanismos de mercantilização no seu interior, presentes no contexto atual dos países capitalistas centrais e no Brasil.

Nesse quadro, a contribuição de Braga e Paula2 adquire relevância inconteste, à medida que os autores discutem a relação da questão da saúde com o pensamento econômico, ao longo de sua trajetória, em consonância com a história do capitalismo, apresentando proposições para esse pensamento, em crítica direta à visão neoclássica que vem sendo inspiradora da concepção neoliberal, dominante há quase 40 anos.

O retorno ao estudo desses autores constitui-se em instrumento essencial para refletir sobre os limites que a saúde enquanto direito universal vem sofrendo justamente nesse período, em que se faz presente, de forma hegemônica, o pensamento neoliberal em todas as políticas sociais. Seus resultados, entre outros, vêm prejudicando a disposição do fundo público, o que compromete a manutenção dos direitos sociais introduzidos, principalmente no Brasil, a partir da Constituição de 1988.

Nesse caminho de relacionarem a questão da saúde e o pensamento econômico, Braga e Paula2 comentam que somente no final do século XIX o pensamento neoclássico é forjado contudo, com a montagem e estruturação de sistemas de atenção à saúde no primeiro quartel do século XX, é que se incorpora a questão da saúde de maneira mais elaborada.

A preocupação central dos neoclássicos é com a microeconomia, destacando a questão da eficiência da unidade produtiva e a melhoria de sua administração. É possível dizer que tal preocupação, com destaque para os princípios da otimização dos recursos e da noção da eficiência, tem sido bastante contemplada nos tempos contemporâneos de neoliberalismo, especialmente por meio dos documentos do Banco Mundial, desde a edição, em 1975, de "Saúde: documento de política setorial".23

Braga e Paula2 criticam reiteradamente a visão da economia da saúde e, em continuidade a suas críticas, insistem que o pensamento neoclássico deixa de lado os elementos de reprodução do capital no setor saúde. Assim, o pensamento neoclássico privilegia em sua análise os efeitos da atividade produtiva sobre a saúde das pessoas, avaliando os efeitos da atenção à saúde em termos do desempenho da atividade econômica, basicamente. Ademais, as implicações da saúde e da doença sobre o ser humano não são consideradas pela análise neoclássica, revelando seu caráter limitador. A saúde para esse campo do pensamento econômico aparece como um processo eminentemente técnico-produtivo, como a constituição de uma indústria do cuidado à saúde e sua estrutura, em que apenas o progresso produtivo contínuo deve ser assegurado.

A análise de Braga e Paula2 é precisa quando aponta uma primeira dificuldade da visão neoclássica: sua perspectiva sobre a saúde como um processo técnico-produtivo a impede de estabelecer conexões mais diretas entre os aspectos econômicos e sociais no movimento da sociedade capitalista. Ao não entenderem o capital como uma relação social, à luz da contribuição de Marx,7 não apreendem a estreita conexão entre o movimento da acumulação do capital e a formação de uma classe capaz de incentivar ou apoiar as transformações sociais e políticas, utilizando a saúde como base de sustentação de seus negócios e projeto por ampliação da valorização.

Ao não levar em conta as diferentes épocas históricas, ao abstrair as mediações históricas da questão da saúde, os modelos perdem a capacidade de explicar os complexos movimentos dos processos saúde-doença. Assim, como não levar em conta as diferenças históricas entre os países capitalistas europeus com sistemas universais implantados no período pós-Segunda Guerra mundial e o Brasil, com 33 anos apenas de existência do SUS? Como não considerar determinantes essenciais como o fato de a instituição da saúde universal brasileira ser tardia - a partir dos anos 1990 -, com relação ao contexto histórico em que foram implantados os Estados Sociais,24 especialmente europeuso? Trata-se de uma nova fase do capitalismo, em que o SUS se desenvolve, sob um capitalismo dominado pela supremacia financeira, com permanentes constrangimentos à efetivação de um sistema de saúde universal.

Nesse quadro, os nossos autores economistas políticos seguem na sua linha de argumentação crítica, confirmando dois problemas centrais do pensamento neoclássico. Como primeiro aspecto, destacam que não há uma relação estreita entre melhor e maior estrutura da atenção médica, como insistem os neoclássicos, e melhores níveis de saúde coletiva. Em segundo plano, reconhecem que a prestação de serviços de saúde é uma esfera da sociedade; afetada, assim como os níveis de saúde da população, por uma determinação social mais ampla, impossibilitando refleti-la de forma externa ao quadro da sociedade burguesa.

Em suma, o caráter abstrato e tecnicista das abordagens da teoria neoclássica acerca da saúde acaba por deixar de lado aquilo que deveria ser o próprio objeto da teoria: a explicação das diferenças específicas dos processos de desenvolvimento capitalista de distintos países e seu caráter de classe no interior de seus distintos padrões de acumulação.

Concretamente, como a visão neoclássica vem sendo hegemônica na forma de condução da política econômica e na forma racional de atuação dos Estados nacionais a partir de 1990, considera-se que a contribuição de Braga e Paula2 dispõe de vários atributos para que se possa refletir sobre a fragilidade das políticas públicas no mundo e, principalmente, no Brasil, quando dos embates para se implantar a política de saúde universal por meio do SUS.

Com a concretização desse novo tempo no mundo, deve-se retomar a fecunda discussão à luz da perspectiva crítica inspirada na análise da economia política marxista sobre a perversa relação entre o público e o privado, especialmente a partir dos anos 1980-90, imprimindo um papel ao Estado brasileiro em consonância com as diretrizes da racionalidade do mercado, ampliando as chamadas contrarreformas. Nesse contexto, ressaltam a precariedade das condições e dos processos de trabalho, a privatização do espaço público na saúde e a adoção de instrumentos de gestão pública que favorecem a avaliação de desempenho, voltada prioritariamente para o alcance de resultados "produtivos" e "eficientes". Sem dúvidas, a tomada de decisões sobre política econômica e essas medidas/instrumentos de gestão pública têm como base a visão neoclássica que nos descrevem Braga e Paula,2 visão esta da qual os citados autores são críticos contumazes.

As medidas implantadas no país, por meio do tripé macroeconômico ortodoxo - metas de inflação, superávit primário e câmbio flutuante -, adotadas pelo governo federal no Brasil desde o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), passando pelos governos Lula até os governos Dilma Roussef, não romperam com a lógica das políticas neoliberais/neoclássicas. Apesar dos resultados positivos de algumas políticas sociais, foram envolvendo a redução do nosso sistema de proteção social em cumprimento a um papel funcional ao capitalismo no Brasil.

De forma bem mais intensa, no curto período do governo Temer, representando os setores mais atrasados, conservadores e reacionários da sociedade brasileira não cessaram os ataques ao trabalho e às políticas sociais em geral. A rigor, o documento do governo "Ponte para o Futuro",25 que anuncia as ações a serem implementadas pelo governo, aponta para a aceleração e a intensificação de medidas que levam ao desmonte do Estado brasileiro, encontrando em Jair Bolsonaro uma nova fase de contrarreformas estruturais, atacando os direitos sociais e dos trabalhadores.

No caso específico da saúde, o curto período do governo Temer vem respondendo muito mais à sua relação com o setor privado. Várias medidas vêm sendo encaminhadas por este governo no sentido de direcionar a saúde para o livre mercado: projeto de lei da Câmara n° 4.918/2016, que possibilita a privatização de todas as empresas públicas, sejam elas municipais, estaduais ou federais, entre elas, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - EBSERH; proposta de revisão da Política Nacional de Atenção Básica, que flexibiliza a forma como a Atenção Primária à Saúde - APS é operacionalizada no Brasil; projeto de lei que revisa a Lei dos Planos, assegurando a liberalização para a venda de pacotes de assistência médica mais baratos - os ditos planos populares de saúde -, porém, de menor cobertura e pior qualidade.26-28

Considerações finais

Por fim, consideramos que as argumentações críticas de Braga e Paula2 acerca da visão do pensamento neoclássico e a questão da saúde merecem ser retomadas, à medida que essa abordagem vem reinando soberana nos ditames das políticas econômicas e sociais oficiais dos governos e contaminando a trajetória das políticas públicas, em especial, da saúde, a partir dos anos 1990 e com um intenso desmonte após a entrada dos governos Temer e Bolsonaro.

Assim, o resgate aqui realizado sobre as diversas questões trabalhadas pelo pensamento crítico da economia política dos anos 1980, no campo da saúde coletiva, contribui para uma melhor problematização do contexto do capitalismo contemporâneo e das limitações da implantação da saúde pública universal pela perspectiva do Estado e das políticas públicas e sua visão neoclássica predominante no seu interior.

Por fim, insistimos que é preciso recuperar Braga e Paula2 no sentido de suas críticas ao pensamento neoclássico/neoliberal, atualizá-las e articulá-las muito bem com essa degradante situação que a saúde universal, por meio do SUS, vem enfrentando com as transformações contemporâneas do modo de produção capitalista e de sua relação com o Estado no Brasil. Sem dúvida, trata-se de obra essencial para ampliar o horizonte daqueles sanitaristas preocupados com o campo da saúde coletiva e para não ficarem restritos a uma análise dissociada do perverso movimento totalizante do capital, como aquele que configurou o cenário mais geral nesses últimos quase 30 anos e que parece se apresentar potente para o futuro.

Portanto, compreender a trajetória da saúde como objeto do pensamento econômico nos demonstra que um tipo de econômico prevaleceu, inclusive na narrativa hegemônica da Saúde Coletiva. O pensamento neoclássico é essa narrativa. Ele colonizou o debate sobre o econômico na saúde e a fez refém de uma retórica estrutural que acompanha a própria história do capitalismo e suas diferentes fases de desenvolvimento. Não é de se surpreender que a economia da saúde esteja mais associada à Saúde Coletiva do que à própria economia. Isso pode ser justificado pelo fato de a economia ser mais favorável à tensão sobre outras racionalidades críticas do que a própria Saúde Coletiva, lócus no qual a crítica sobre a produção da saúde no capitalismo claramente arrefeceu.

 

aProfessor José Carlos de Souza Braga possui graduação em Ciências Econômicas pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1970), doutorado em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (1985), pós-doutorado pela University of California, Berkeley (1989) e livre-docência pela Universidade Estadual de Campinas (2005). Atualmente é professor titular da Universidade Estadual de Campinas. Professor Sergio Góes de Paula possui graduação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1968) e doutorado pela Universidade Estadual de Campinas (1987). Foi pesquisador associado da Fundação Oswaldo Cruz, economista da Financiadora de Estudos e Projetos e professor assistente da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
bNo campo da Saúde Coletiva (espaço no qual a discussão sobre a interface entre o econômico e a saúde se apresenta com maior expressão), o conceito de atenção à saúde
está relacionado com a organização dos sistemas e serviços de saúde, entre os quais se podem exemplificar a gestão dos processos políticos e administrativos, a organização do trabalho clínico, as ações de vigilâncias em saúde, a participação da comunidade, entre tantos outros; não se restringindo, portanto, apenas ao encontro assistencial
entre o profissional de saúde e o usuário (conhecido como assistência à saúde). No entanto, por não terem tido acesso a essa discussão, muitas vezes, no texto de Braga e Paula, os autores passam a ideia de atenção à saúde como restrita à assistência à saúde.
cA obra conjunta destes dois autores é considerada um marco fundacional no pensamento econômico em saúde em uma perspectiva mais crítica com relação à ortodoxia econômica neoliberal que se delineava através do pensamento econômico neoclássico. Por isso, pode-se dizer que essa obra é um clássico do pensamento econômico em saúde no Brasil, e nada mais oportuno do que revisitá-la especialmente em tempos de crise dos modelos explicativos que sustentam a crise de 2008.
dÉ muito comum os profissionais da área da saúde que estão se acercando do objeto econômico confundirem Política Econômica com Economia Política. Obviamente, não se trata apenas de uma inversão sintático-semântica entre as palavras economia e política. A primeira está relacionada às decisões políticas sobre a economia enquanto uma política pública, por isso está inscrita na ordem da institucionalidade estatal, e, em uma perspectiva socialdemocrata, dependeria das decisões da elite política governante. Ora, em uma perspectiva marxista, a política econômica estará, sempre em última instância, aliada à lógica do Estado capitalista (ou seja, atuando como sustentáculo das relações de produção capitalistas). Já a Economia Política se trata do estudo das relações sociais de produção, circulação e distribuição de bens materiais que visam a atender às necessidades humanas, identificando as leis que regem tais relações. A depender do pensamento econômico que é adotado em determinado período sócio-histórico, o econômico se alarga e toma por ciência econômica a economia política em sua concepção (ou seja, considera o econômico como uma relação social). Já em outros períodos históricos, o pensamento econômico reduz o econômico a um fator ou variável descontextualizada da relação social que a gera, assim, passa a se tomar a ciência econômica como mais próxima às ciências formais e naturais, especialmente à matemática e à estatística.
eElasticidade do preço da oferta mede o aumento ou a diminuição em percentagem da quantidade ofertada (no caso, de força de trabalho) devido a uma mudança percentual nos preços (no caso, da força de trabalho), mede o quanto a quantidade ofertada por um bem muda devido a uma mudança no preço daquele bem.
fSão aspectos que determinam a saúde das populações, no entanto, não deveriam, no contexto da Lei dos Pobres, ser questionados em sua essência.
gEngels é quem inaugura de forma mais clara este debate desde a perspectiva crítica marxiana. Por ser filho de industriais, tinha acesso às informações e às condições de exploração pensadas pelos burgueses para com os trabalhadores. Na tentativa de compreender esse processo, Engels escreve um tratado de grande fôlego para época analisando as condições de vida da classe trabalhadora à luz do auge do capitalismo industrial. Para os sanitaristas marxistas, essa obra intitulada "A situação da classe trabalhadora na Inglaterra" é essencial por ser considerada o primeiro tratado de epidemiologia descritiva crítica.
hMesmo trabalhando com o termo cuidado, entendemos que Braga e Paula tinham uma intenção em trabalhar com a ideia de intervenção. No entanto, compreendemos que os autores não tiveram acesso à discussão que aprofundou o cuidado enquanto categoria de análise. Atualmente, há uma farta produção, especialmente no âmbito da enfermagem brasileira, sobre o cuidado e sua diferenciação da noção de intervenção. Em que pese a vasta pluralidade teórico-epistemológica em que se assenta a categoria cuidado, grosso modo pode-se dizer que a intervenção em saúde é o ato de alterar o estado de saúde de um indivíduo utilizando-se saberes e técnicas (baseados essencialmente em tecnologia dura) com o intuito de proporcionar melhoras para ele. Já o cuidado em saúde é mais que um ato tão-somente, e, sim, uma atitude. Portanto, abrange um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, (pre)ocupação/(pós)ocupação com o estado de bem-estar do sujeito. Essa atitude é a base da responsabilização e da afetividade com o outro. Em nossa opinião, mesmo sob esse refino analítico, o pensamento econômico neoclássico pode ser perfeitamente compatível com a categoria cuidado. Mas isso é objeto de uma longa discussão que não caberia ser feita aqui.
iSão cinco as etapas do desenvolvimento econômico descritas por Rostow: 1) a sociedade tradicional; 2) as precondições para o arranco; 3) o arranco; 4) a marcha para a maturidade; 5) a era do consumo em massa.
jÉ importante mencionar que o planejamento foi considerado instrumento fundamental a partir do Plano Beverdige que criou, em 1948, o Sistema Nacional de Saúde inglês, constituindo o assim chamado “Welfare State", inclusive com extensão aos países europeus. Em que pese a importância do Welfare State como produto da tensão mundial entre capital-trabalho vivida na Europa do pós-guerra, nós partimos da crítica a essa categoria elaborada por Boschetti (2016), que nomeia esse fenômeno como "Estado Social Capitalista".
kCentro de Desenvolvimento (CENDES), órgão criado na Venezuela (junto à Universidade Central) e apoiado pela Organização Panamericana da Saúde (OPAS). Trata-se de um enfoque sistêmico de Programação de Recursos de Saúde, atrelado a uma sorte de análises de custo-benefício. Tem méritos em relação à priorização dos danos à saúde, mas foi muito criticado por transpor a lógica econômica normativa cepalina aos serviços de saúde enrijecendo-os.
lIvan Illich, Etienne Barral, Jean-Pierre Dupuy e Giovanni Berlinguer.
mRefere-se à Giovanni Berlinguer, médico, político, bioeticista e ambientalista italiano. O trecho faz referência ao livro "Medicina e Política".
nTrata-se de Jean Lojkine, professor titular de Filosofia e diretor de pesquisa em Sociologia no Centre National de la Recherche Scientifique - CNRS. O trecho se refere especificamente ao livro "L'État capitaliste et la gestion urbaine
oEstado Social é uma categoria crítica marxista elaborada por Ivanete Boschetti em contraponto ao conceito amplamente difundido de Estado de Bem-Estar Social. Para maiores detalhes, ver em Boschetti (2016).

 

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