Crit Revolucionária, 2024;4:e010
Artigo original
https://doi.org/10.14295/2764-4979-RC_CR.2024.v4.25
i Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva. São Paulo, SP, Brasil.
Autor de correspondência: Lúcio Souza dos Santos luciosantos@uol.com.br
Recebido: 15 jul 2023
Revisado: 28 ago 2023
Aprovado: 23 abr 2024
https://doi.org/10.14295/2764-49792RC_CR.v4.25
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No final da década de 1970, em resposta a crise na queda da taxa de lucro nos países centrais do capitalismo, houve uma série de reformas do estado que tiveram por objetivo reduzir o custo de funcionamento de serviços públicos. A parceria publico-privada com organizações não governamentais sem fins lucrativos para a gestão, por meio de transferência de recursos do estado, foi o modelo encontrado com intuito de tornar os serviços mais eficientes e com menor custo. Esta ideologia passou a ser designado como gerencialismo. No Brasil o gerencialismo ganhou corpo institucional com a reforma do estado, em 1995, realizada pelo Ministério da Reforma Administrativa. Na saúde este modelo ganhou expressão com a transferência de gestão de serviços de saúde por entidades denominadas como organizações sociais de saúde.
Descritores: Capitalismo; Gerencialismo; Reforma do Estado; Organizações sociais; Saúde.
GERENCIALISMO Y SALUD: CONTRIBUCIONES PARA PENSAR EL CONTEXTO BRASILEñOResumen: A fines de la década de 1970, como respuesta a la crisis de la caída de la tasa de ganancia en los países centrales del capitalismo, hubo una serie de reformas estatales que apuntaron a reducir el costo de funcionamiento de los servicios públicos. La alianza público-privada con organizaciones no gubernamentales sin fines de lucro para la gestión, a través de la transferencia de recursos del Estado, fue el modelo encontrado con el objetivo de hacer los servicios más eficientes ya un menor costo. Esta ideología llegó a ser designada como gerencialismo. En Brasil, el gerencialismo ganó cuerpo institucional con la reforma del Estado, en 1995, realizada por el Ministerio de la Reforma Administrativa. En salud, este modelo tomó expresión con la transferencia de la gestión de los servicios de salud por parte de entidades conocidas como organizaciones sociales de salud. Descriptores: Capitalismo; Gerencialismo; Reforma del Estado; Organizaciones sociales; Salud. |
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MANAGERIALISM AND HEALTH: CONTRIBUTIONS TO THINKING ABOUT THE BRAZILIAN CONTEXTAbstract: At the end of the 1970s, in response to the crisis in the drop in the rate of profit in the core countries of capitalism, there was a series of state reforms that aimed to reduce the cost of running public services. The public-private partnership with non-profit non-governmental organizations for management, through the transfer of state resources, was the model found with the aim of making services more efficient and at a lower cost. This ideology came to be designated as managerialism. In Brazil, managerialism gained an institutional body with the state reform, in 1995, carried out by the Ministry of Administrative Reform. In health, this model gained expression with the transfer of management of health services by entities known as social health organizations. Descriptors: Capitalism; Managerialism; State reform; Social organizations; Health. |
Para entender como a modelo gerencialista chega às instâncias de organização e gestão do sistema de saúde, nos dias de hoje, é necessário entender o contexto de prescrição do modelo gerencial no setor de saúde. O gerencialismo surge como resposta à crise de manutenção de lucros do capital.
Didaticamente poderíamos entender a evolução dos estágios do capitalismo, ao longo da sua história, na seguinte sequência: o capitalismo mercantil, o capitalismo empreendedor, o capitalismo gerencial e o capitalismo rentista-financeiro.
O capitalismo mercantil cobre o período do século XVI para o século XVIII e é marcado pela transição do feudalismo para o capitalismo. Neste período dá-se o surgimento dos estados nação, bem como a Revolução Industrial, tendo a Inglaterra como seu cenário. O segundo estágio, o capitalismo empreendedor, compreende o período do século XIX até a crise de 1929 com a quebra das bolsas de valores e a derrocada do discurso do liberalismo.
No final do século XIX, a crise das bolsas foi terreno propício para o surgimento de uma verdadeira revolução organizacional do capitalismo, e faz ascender o capitalismo gerencial. O protagonismo dos gestores de empresas do setor privado, o fortalecimento de uma burocracia no setor público, comandada por tecnocratas vai substituindo pouco a pouco os empreendedores na gestão das empresas.
Os Estados Unidos passam a ser a nação disseminadora desta nova maneira de conduzir a expansão do capitalismo. Neste período, pós segunda guerra, vive-se uma época de profícuo desenvolvimento de um bem-estar social, principalmente em países europeus, gerado pela expansão e fortalecimento do capitalismo, em face das altas taxas de retorno. Poder-se-ia considerar, que é o período onde ocorre alguma democratização de ganhos, gerado pelo capital que àquele período histórico, demonstrava um robusto desenvolvimento.1
No final da década de 1970 e início dos anos 1980, com ascensão de Ronald Reagan no Estados Unidos e de Margaret Thatcher no Reino Unido, e em resposta à redução da taxa de retorno do capital, bem como um processo de estagflação no país americano, tem-se um cenário econômico para o surgimento de uma visão neoliberal da economia, e por conseguinte, ganham protagonismo o caráter rentista financeiro do modelo econômico em países centrais do capitalismo.
Esta relevância do capital, não industrial, mas sim financeiro, faz surgir uma situação, na qual o empreendedor, o dono do meio de produção perde importância em relação ao rentista, e aos consórcios/fundos de investimentos que passam a ter relevância no sistema capitalista mundial.
O mercado, e mais especificamente, o mercado de capitais, passa a ser o condutor da dinâmica do capitalismo. Há uma redução crescente no processo de industrialização, particularmente em países da periferia do capitalismo, ou como se convencionou atribuir, em desenvolvimento. A instabilidade financeira e a desigualdade entre nações e interpopulacionais passa a ser a regra das economias.
No período mais recente, a crise financeira de 2008 acaba por ser um exemplo desta lógica. Com a quebra de instituições financeiras, anteriormente consideradas sólidas e o endividamento de grande parcela da população americana.
Este processo de financeirização da economia, que verificamos nos dias atuais, tem seu início na década de 1980 nos Estados Unidos, que de uma nação desenvolvimentista e industrial, passa a adotar uma lógica liberal, não somente do discurso político, que já o era, mas na condução da economia. A ideia do gerencialismo, ou seja do “ensinar” a gerir surge com força argumentativa crescente. A gestão, nas nações centrais do capitalismo, passa a ser o mantra e, obviamente, um produto de exportação.2,3
Estado gerencial, Nova Gestão Pública, ou finalmente, gerencialismo é um termo que tenta definir as mudanças estruturais e de conceito políticos que sugiram a partir da ascensão no Reino Unido, de Margaret Thatcher e nos Estados Unidos de Ronald Reagan.
Os pressupostos desta visão eram: liberar as forças de mercado do controle do estado, reduzir a carga de impostos para os cidadãos, reduzir o tamanho, âmbito e custo do Estado. Esta lógica tornou-se disseminada, em diversos países e foi adotada como receita de gestão econômica por organismos com o Fundo Monetário Internacional – FMI. Poderíamos argumentar que esta proposição de novas regras econômica-políticas de funcionamento do estado, rompem com o compromisso de sustentação de um Estado de bem estar social, comum aos países europeus no período pós segunda guerra mundial? Talvez seja mais do que isso. É o surgimento de uma nova cultura de funcionamento de um ente coletivo: o Estado.
O substrato que antecede essas mudanças, de proposição do funcionamento do Estado e o cumprimento dos seus deveres sociais, deu-se a partir de crises econômicas do capitalismo, em meados dos anos 1970 e, em consequência da crise fiscal das nações e suas dificuldades financeiras em manter os acordos sociais, anteriormente estabelecidos.
No período pós guerra e em função dos reparos sociais e econômicos das populações e nações envolvidas no conflito, surgiu a ideia de criação de organismos multilaterais e promoção de crescimento econômico e bem estar social. Esta preocupação “social” das nações desenvolvidas, perde espaço, quando o retorno da lucratividade do modelo capitalista passa ter dificuldades em final da década de 1970, acelerada ou agravada pela crise de exportação das nações produtoras de petróleo.4
O acordo político entre capital e trabalho precisava, a partir deste momento, ser adaptado, ou mesmo revisto. Deveriam ser removidos o peso do estado sobre os mercados, liberando-os para um funcionamento mais livre, menos regulamentado e supostamente, baseados em um olhar gerencial, mais eficientes.
As ideias e proposições mercadocênctricas, ou de funcionamento de serviços pela lógica de mercado, uma economia mista de prestação de serviços que fossem mais livre para atuar, ganham muitos defensores. Mais livres do quê? Livres de quem? Livres da regulamentação do estado, suas leis, normas e em última análise, dos seus interesses, que a rigor, devem ser os interesses dos cidadãos que o sustenta.
A crença era de que, o Estado, ao reduzir sua presença diante da prestação de serviços, surgiriam instituições que fariam esta função e seriam geridas por diretores, gerentes, que uma vez livres para atuar agiriam de forma mais eficiente, rápida e com menor custo. Ou seja, a figura principal desta nova cultura de funcionamento dos serviços, ainda que públicos, passa a ser o gerente e não mais o político, o servidor público de carreira. O gestor passa a ser a figura que traz consigo, a partir desta nova cultura, a qualidade de eficiência, preparo, objetividade, inovação, modernidade, em oposição à visão arcaica do burocrata, preso a regulamentações em demasia e ao dito paternalismo.5
O acordo político entre capital e trabalho precisava, a partir deste momento, ser adaptado, ou mesmo revisto. Deveriam ser removidos o peso do estado sobre os mercados, liberando-os para um funcionamento mais livre, menos regulamentado e supostamente, baseados em um olhar gerencial, mais eficientes.
As ideias e proposições mercadocênctricas, ou de funcionamento de serviços pela lógica de mercado, uma economia mista de prestação de serviços que fossem mais livre para atuar, ganham muitos defensores. Mais livres do quê? Livres de quem? Livres da regulamentação do estado, suas leis, normas e em última análise, dos seus interesses, que a rigor, devem ser os interesses dos cidadãos que o sustenta.
A crença era de que, o Estado, ao reduzir sua presença diante da prestação de serviços, surgiriam instituições que fariam esta função e seriam geridas por diretores, gerentes, que uma vez livres para atuar agiriam de forma mais eficiente, rápida e com menor custo. Ou seja, a figura principal desta nova cultura de funcionamento dos serviços, ainda que públicos, passa a ser o gerente e não mais o político, o servidor público de carreira. O gestor passa a ser a figura que traz consigo, a partir desta nova cultura, a qualidade de eficiência, preparo, objetividade, inovação, modernidade, em oposição à visão arcaica do burocrata, preso a regulamentações em demasia e ao dito paternalismo.6
A flexibilização das instituições de funcionarem pela lógica gerencial leva a uma progressiva perda de influência do Estado na formulação de políticas, no setor que novos agentes passarão a atuar. Ou seja, uma vez liberadas de controles próprios da burocracia estatal, temos o surgimento de um outro estado, dito mais livre, que poderíamos definir, como o Estado gerencial.
Portanto o Estado assumindo a sua incapacidade de conduzir serviços que devem ser prestados à população e que são de obrigatoriedade e inerentes à condição de poder público, cede suas prerrogativas às instituições privadas, ditas de quase mercado para condução, organização destes serviços. Ou seja, o gerenciamento implica em um conceito de “arrumar” aquilo que não está funcionando adequadamente.
Algo bem diferentes do que Frederick Winslow Taylor propunha para atividade gerencial. Segundo Taylor era fundamental que a autoridade gerencial tivesse três condições básicas: aplicar a pesquisa científica ao exercício do trabalho; o respeito pelo interesse dos trabalhadores e a cooperação entre capital e trabalho. Entretanto, no modelo atual, toda aspiração individual de bem estar, deve estar atrelado à empresa ou organização a qual pertenço.7
O objetivo é o progresso da organização, ao menor custo possível, o que no fornecimento de serviços inerentes ao estado, esta ideologia entra, na maioria das vezes, em choque com os interesses da coletividade.
A idéia de qualificação e da formação de uma classe profissional que pudesse desempenhar as funções inerentes ao Estado, foi muito bem explicitada na Constituição de 1967, durante o regime militar, que se instaurou no Brasil em 1964. No seu artigo 6° já demonstrava uma certa ideologia gerencial o que fica claro nos dispositivos que descrevem os princípios que devem fundamentar a administração pública no Brasil. Eram eles: Planejamento, Coordenação, Descentralização, Delegação de competência, Controle.
No artigo 26° defende-se que administração pública deveria se pautar pela eficiência da execução de políticas. Portanto, as ideias caras a ideologia gerencialista estavam presentes em nosso meio há bastante tempo.
Como vimos, acima, o gerencialismo é uma ideologia que ganhou força a partir de reformas realizada no Estados Unidos, Inglaterra e em outros países, como Austrália e Nova Zelândia. A função de qualquer administração pública e por dever constitucional, é prover os cidadãos de serviços, que são inerentes, ou mesmo que deveriam ser prioritariamente ofertados pelo Estado. Entretanto, o que deve e não, ser atribuição exclusiva do estado, é tema de permanente debate no mundo, e no Brasil, em particular.
A maneira como a administração do Estado brasileiro ofertará serviços, sofre interesses diretos, econômicos e políticos, portanto sujeitos às alterações de visão e execução, a depender do perfil ideológico do poder político no comando.
Em 1989, em reunião, na cidade de Washington, e denominada pelo economista John Williamson de Consenso de Washington – houve uma série de recomendações para as economias de países da periferia do capitalismo, principalmente da América Latina, onde os países estavam endividados e estavam sob o arco de influência dos Estados Unidos.
As principais recomendações: ajuste fiscal, corte em gastos públicos, desonerar fiscalmente o capital para que ele pudesse ter maior competitividade no mercado internacional, mais aberto e competitivo do que os daqueles países endividados. Os mercados de trabalho e o financeiro, deveriam ser totalmente desregulamentados, dever-se-ia promover privatização, abertura comercial e a garantia de propriedade privada.8
No Brasil, a reforma do aparelho do Estado foi além do que possa, convencionalmente, chamar-se de reforma administrativa. A ideia era recriar um modelo de atuação de atividades não exclusivas do Estado. Este modelo baseou-se, nas experiências britânica, neozelandesa e australiana, tendo inclusive consultoria de pessoas que trabalharam na reforma do Estado britânico. educação, saúde, cultura eram, portanto, áreas onde o Estado poderia transferir a gestão para entidades sem fins lucrativos, que funcionariam na lógica da iniciativa privada.9
Desde o início das proposições de defesa da reforma do Estado, a partir de 1995, as discussões propunham a necessidade de tornar o Estado e a execução de suas políticas, mais eficiente, mais célere, buscando uma evolução do modelo burocrático para uma modelo gerencial, não abrindo mão da gestão social dos deveres do Estado. As entidades que viessem a se qualificarem para o desempenho destas funções, outrora, exclusiva e realizada pela burocracia do poder público, seriam regidas por contrato de gestão cujo foco era o cumprimento de metas estabelecidas inicialmente neste contrato. Deveria haver uma dotação orçamentária a partir do cumprimento do estabelecido nos contratos.10
Em 1986, a VII Conferência Nacional de Saúde defendeu que uma reforma sanitária brasileiro deveria incluir os princípios da equidade, descentralização, integralidade e universalidade. Estes pilares balizaram o primeiro sistema público universal de saúde do Brasil.11
A Constituição Federal promulgada em 1988 consolidou o acesso universal dos brasileiros ao sistema público de saúde. Considerou ser, direito do cidadão e dever do Estado. Segundo o artigo 196 da Constituição brasileira
a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação 12
Ainda no artigo 198 as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado com as seguintes diretrizes: I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II – atendimento integral com prioridade para atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III – participação da comunidade.
Para financiar o sistema foi definido que os recursos viriam do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes”.12
A partir de 1990 a lei orgânica da saúde regulamentou o sistema que havia sido implantado pela recente Constituição de 1988. O financiamento da saúde é oriundo de contribuições sobre o faturamento e o lucro líquido e também percentuais das receitas de impostos arrecadados pelos munícipios (no mínimo 15%) e Estados (no mínimo12%).
Após a promulgação da constituição, e com a sua determinação de acesso universal aos serviços públicos de saúde, a tensão no sistema foi caracterizada por dois pilares fundamentais: construir e financiar a universalização.
A necessidade de atender a estas duas obrigações para com o Sistema Único de Saúde – SUS, permanecem ainda hoje e são objetos de continuadas discussões na sociedade brasileira. O maior problema do SUS é de financiamento ou de gestão? Permanece esta falsa dualidade, ainda, nos dias atuais e servem de debate entre diversas correntes ideológicas do cenário político brasileiro.
O financiamento do SUS se daria, segundo regra constitucional, por meio de recursos advindos de contribuição de empregados e empregadores, contribuição sobre o faturamento, contribuição e da Contribuição Sobre o Lucro Líquido – CSLL das empresas e também sobre parte da receita de cada esfera de governo. Não havia, portanto, a vinculação específica de recursos para o sistema de saúde. A seguridade social, expressa na constituição federal, tratava a Previdência, Assistência e Saúde como integrante de uma proteção social que deveria ser conferida ao cidadão.
O orçamento da saúde nos anos 1990 e 1991, quando a lei de custeio da seguridade social, ainda, não havia sido aprovada, determinou-se que os recursos do Fundo de Investimento Social – FINSOCIAL seriam prioritariamente vinculados à saúde e a receita da CSLL, seria direcionada também, em prioridade, a programas assistenciais. Dos recursos da seguridade social, 30% deveriam ser destinados ao financiamento da saúde.13
O ministério da saúde, a partir de 1993, deixou de receber repasse, correspondente a 15,5% da arrecadação da contribuição de empregadores e empregados. Esta redução demonstrou que a fórmula de financiamento da saúde pública brasileira era vulnerável, agravando os problemas crônicos. Em outubro de 2000, com a aprovação da Emenda Constitucional 29 (EC29), os estados e munícipios deveriam alocar 7% das receitas de impostos e transferências constitucionais. Este percentual precisaria crescer, anualmente, até atingir, para os estados, 12% em 2004 e 15%, para os municípios. A união contribuiria, no primeiro ano com 5% do orçamento do período anterior e para os anos seguintes, o valor definido no anterior, seria corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto – PIB.14
Em janeiro de 2012 foi decretada a Lei Complementar nº 141 à EC 29 que melhor define as obrigações de União, Estados e Municípios no financiamento da saúde, bem como esclarece o que devem ser considerados gastos públicos em saúde.
São consideradas ações e serviços públicos de saúde àquelas voltadas para promoção, proteção e recuperação da saúde. Dentre as determinações da lei, deve o poder público prestar atenção integral, universal à saúde em todos os níveis de complexidade, incluindo assistência terapêutica e recuperação de necessidade nutricionais.
Em relação aos percentuais de orçamento para a saúde, a lei complementar ratifica a EC 29 e define que 12% da arrecadação de impostos dos estados e 15% da arrecadação de impostos dos municípios deverão ser aplicados em saúde.
A vinculação dos recursos de saúde aos percentuais da arrecadação tem enorme variabilidade em períodos de crises econômica, como qualquer orçamento. No entanto, na área da saúde a irregularidade dos repasses para setor, se chocam muito frequentemente com maiores demandas da sociedade por novas terapêuticas, procedimentos ou mesmo doenças que precisam ser enfrentadas na área.
Mendes e Carnut15 em artigo a respeito do subfinanciamento e gerencialismo na saúde pública brasileira, questionam, logo na introdução, qual a razão de se tentar fazer um diagnóstico da crise institucional de cerceamento de direitos sociais, em lugar de buscar compreender as nuances, e pro conseguinte, a tendência de crises recorrentes do sistema capitalista no qual estamos inseridos. Por qual razão as propostas de melhoria no funcionamento do SUS, que sempre são feitos durantes períodos eleitorais, se confrontam diretamente com a lógica da iniciativa privada que tem sido preponderantemente adotada na condução de serviços públicos de saúde?
Portanto, se entendermos que a queda na taxa de lucro das economias capitalistas, afeta diretamente as políticas públicas, seja por decisão política de contração em bens e serviços, por meio de restrição orçamentária, combinada com a opção por um modelo gerencialista em detrimento de uma visão burocrática dos serviços do estado, temos, pois, um cenário bastante explicativo do que ocorreu com SUS no contexto de crise do capitalismo.15
A lógica, portanto, configura-se com as seguintes ações: subfinanciamento crônico do SUS e transferência da gestão para organizações não governamentais, consideradas sem fins lucrativos entre elas: Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP, Organizações Sociais de Saúde – OSS e fundações estatais públicas de direito público e privado.
Entidades que Miranda16 conceitua como entidades do terceiro setor que operam em dinâmica e termos de (quase) mercado, onde a prestação de serviço que, outrora, era compreendida e enfatizada como direito social do cidadão, passa a ser reforçada como um direito de consumo de procedimentos e serviços que passarão a serem geridos por esta organizações que operam em bases de um sistema privado, onde a competição, relação de custo-efetividade passam a, inclusive , definir mais ou menos repasses de recursos públicos para as mesmas. Dá-se ênfase ao valor dos serviços, e se adota como ideologia e uma aplicação francamente utilitarista dos recursos públicos onde o discurso da racionalidade concorrencial, das regras de competição, que se assemelham às do mercado, da eficiência, e da qualidade de serviços, suplanta a noção de abrangência para a população alvo destes serviços.
Tomou-se este modelo, próprio, característico, do gerencialismo como o único caminho possível de se ofertar serviços em saúde, mas, não só isso, de expandir a oferta, garantir acessibilidade e garantir a qualidade.
O estado, portanto, transfere para estas organizações, de caráter (quase) mercado recursos para custeio em contraposição à prestação de serviços. A base para esta combinação é a formulação dos contratos de gestão, entre as secretarias de saúde e as organizações não governamentais. Entretanto, o caráter de redução do espaço público na área de saúde, ou e um movimento de perfil privatista , vai além da transferência de responsabilidades do estado para entidades sem fins lucrativos, passa pela lógica dos subsídios dos serviços privados de saúde, seja por renúncia fiscal de pessoas físicas e jurídicas , seja pela caracterização de alguns serviços como filantrópicos e, portanto, isentos de tributações, a despeito de uma seletividade de clientela, ou seja, da pouca abrangência no atendimento.
Este cenário fez criar uma situação cada vez mais comum, que são entidades ou instituições filantrópicas ou sem fins lucrativos, verdadeiramente, disputarem a gestão de equipamentos públicos de saúde, como estratégia de ampliação de isenção de pagamento de impostos e por conseguinte, de capacidade de expansão.16
Esta visão gerencialista da saúde pública é reforçada em associação com o subfinanciamento crônico pelo qual o setor de saúde enfrenta há muitos anos.
Segundo Mendes e Carnut15, o gasto do Ministério da Saúde entre 1995 e 2016, permaneceu 1,7% do PIB, enquanto o gasto com juros da dívida pública cresceu, no mesmo período, 6,6% do PIB. Os autores ressaltam a importância da criação do SUS, mas chama a atenção que em 2015 o gasto com o SUS foi de 3,9 do PIB (União; 1,7%; estados: 1%; e municípios: 1,2%), enquanto em países europeus que tem sistemas de saúde universal, este gasto chega a 8% do PIB. Pode-se compreender, a partir destes dados, que baixo orçamento da saúde pública e do nosso SUS, deixa-o fragilizado do ponto de vista de inclusão, de forma operacional e ideológico, pois abre espaço para o discurso gerencialista propor alternativas e se firmar como se fosse o caminho único.
Giovanella e Almeida,17 em artigo sobre atenção primária integral e sistemas segmentados de saúde na América Latina, chama a tenção que desde a década de 1980, com a realização de ajustes econômicos estruturais, os atendimentos de alcance social, vem sendo prestados por organizações não governamentais do setor privado. Ao publicarem dados, cuja as fontes são Banco Mundial e Organização Pan-americana de Saúde – OPAS, em dados de 2014, mostram que o Brasil com uma população de 203 milhões de habitantes, PIB per capta de 14.750 dólares, tem um gasto de 937 dólares per capta. 46% era gasto público, que correspondia a 4% do PIB.
O Chile com 17,9 milhões de pessoas, PIB per capta de 21.060 dólares per capta, gasta em saúde 1.137 dólares per capta. 49,5% era gasto público, o correspondente a 3,7% do PIB chileno. O Uruguai com 3,4 milhões de habitantes, PIB per capta 18.940, gasto per capta em saúde de 1.442 dólares. 71% é gasto público, o correspondente a 5,9% do PIB.17
Segundo a OMS gasto brasileiro em saúde, no ano de 2020, foi 701 dólares per capta. Gasto público foi reduzido em comparação a 2014, e era em 2020, de 44,8% de todo gasto em saúde.18
Em resposta ao desfinanciamento da saúde pública no Brasil, ocasionado por redução no orçamento e por conseguinte, do gasto per capta, agravada pelas renúncias fiscais de pessoas físicas que possuem planos privados de saúde e por concessões fiscais a entidades privadas sem fins lucrativos, o modelo gerencialista tem sido aprofundado como forma gerir recursos para o setor de saúde. Mendes19 ressalta que a crise de financiamento do setor saúde, é na verdade reflexo da própria crise do capitalismo, por queda da sua taxa de lucro, e da preponderância do capital financeiro e que nesta situação o sistema tem como abordagem a adoção de três pilares básicos: o aumento da taxa de exploração, obrigando trabalhadores a aceitarem condições precárias de trabalho; a reorganização de novas linhas de produção; e a desvalorização do estoque de capital acumulado. O incentivo financeiro público concedido ao capital privado, no setor de saúde, por meios das isenções fiscais sem que houvesse qualquer reposição de parte dos recursos, é uma verdadeiro transferência de renda e uma maneira de garantir a sustentabilidade financeira do capital privado, e tem ocorrido em volumes crescentes, 3,67 bilhões em 2003, alcançaram 19,98 bilhões em 2012.15
No Brasil, no setor de saúde pública, em particular, a ideologia gerencialista teve e tem seu cerne com o movimento de reforma do estado levado a efeito pelo Ministério de Reforma Administrativa, ocorrido em 1995. Tal reforma deu base jurídica para que os serviços públicos na área de saúde, fossem geridos por organizações sem fins lucrativos, por meio de contratos de gestão com foco em resultados, e remunerações variáveis por desempenho.20,21
Gaulejac, 2 em seu livro “Gestão como doença social”, defende que os instrumentos encarregados de medir o valor financeiro de empresas, não são confiáveis porque são maquiados por dirigentes indelicados e que nem sempre os dados contábeis dão uma visão clara e confiável da situação financeira da empresa.
A avaliação de desempenho no setor público é alvo de muito debate. Os defensores sugerem que há uma melhora nos resultados, quando a avaliação é realizada, já quem critica alega que é um instrumento de avaliação da iniciativa privada, transposto para a esfera pública. Ou seja, tomando o modelo da gestão privada como superior à gestão pública. Portanto, a contratualização de resultados representa uma forma de controle, e estabelece sanções positivas e negativas. O risco, na esfera pública é que a avaliação de desempenho e resultados, se torne um fim em si mesmo, e não venha acompanhado do principal objetivo que é oferecer um serviço público de qualidade para o maior número de cidadãos.22
Na reforma administrativa do Estado a partir de 1995, as organizações sociais ganharam um protagonismo na gestão de saúde. O modelo se expandiu por todo o Brasil, o que fez com quem cada vez mais organizações se habilitassem como entidades sociais capacitadas para gerir orçamento público da saúde, isso é o modelo mais evidente da ideologia gerencialista, que prima por uma remuneração a partir de desempenho e resultados. Mas cabe perguntar: qual desempenho? Como medir os resultados? A defesa da eficiência e autonomia sempre foi clara no modelo de gestão proposto na reforma administrativa de 1995.
Em artigo para o jornal Folha de são Paulo, de 22 de maio de 1995, sobre as organizações sociais, o então Ministro da Reforma Administrativa, Luiz Carlos Bresser Pereira afirma:
um dos projetos mais importantes do governo Fernando Henrique Cardoso é o de garantir autonomia financeira e administrativa aos serviços sociais do Estado, ou seja universidades, escolas técnicas, museus, hospitais e centros de pesquisa de forma que possam realizar com mais eficiência a sua função. 23(8)
Portanto, não resta dúvida dos propósitos, incorpora a lógica da iniciativa privada à gestão de bens públicos, com orçamento público, cujo controle da aplicação destes recursos, pode ser de difícil execução. Voltamos, pois a um questionamento central: a dificuldade do Estado em prover suas obrigações para com os cidadãos é inerente ao Estado ou ao modelo econômico adotado?
Carnut e Mendes24 defendem que o Estado brasileiro sendo parte integrante das relações capitalistas de produção, exerce sua colaboração para o modelo adotando o espírito gerencialista no interior da administração pública direta, com a sua lógica baseada em resultados e desempenho, este o último baseado na superação das expectativas dos trabalhadores deste setor, que não raro se confunde com a quantidade trabalho a ser realizado.
No final da década de 1970, países centrais do capitalismo, como Inglaterra, Estados Unidos, no intuito de enfrentarem a crise da queda da taxa de lucro dos seus modelos econômicos, promoveram um movimento reformista do Estado. A base ideológica deste processo foi a redução do tamanho do Estado, transferência de parte das obrigações ditas, como não exclusivas, para organizações da sociedade civil, sem fins lucrativos.
A transferência destas obrigações tomava como pressuposto, que entidade não pertencentes à burocracia estatal, teriam mais agilidade, autonomia e, por conseguinte, eficiência na gestão de provimento dos serviços demandados pela população, principalmente nas áreas de cultura, educação e saúde.
A relação entre o Estado e o setor saúde tem várias nuances, que demais setores não apresentam. No Brasil o surgimento do SUS como sistema integral e universal firmado pela constituição de 1988 foi um avanço em oferecer atendimento, tanto na atenção básica até tratamentos de alta complexidade. Entretanto, o seu financiamento vem, desde sua origem, sofrendo com a exiguidade de recursos, por não regulamentação de repasses obrigatórios ou mesmo, por isenções fiscais e tributárias que impactam diretamente no montante de recursos que deveriam ser destinados à saúde. O resultado é um subfinanciamento crônico do sistema.
O cenário de contração de recurso, de pressão dos países desenvolvido, por ajustes fiscais e redução do tamanho do estado de países endividados, surge a proposta de 1995 levado a efeito pelo Ministério de Reforma Administrativa, que propõe às organizações sociais de saúde a gestão de recursos orçamentários e o provimento de serviços que, outrora, eram fornecidos pelo sistema de saúde vinculado à administração direta.
Estas organizações tinham como base de funcionamento, a ideologia gerencialista, baseada em resultados e desempenho que seriam definidos por contratos de gestão firmados entre poder público e organização não estatal. Ou seja, o SUS, caudatário de discussões que vinham em curso desde a década de 60 , e que no caso brasileiro, é parte da expressão de bem estar social que o Estado deve prover aos seus cidadão, passa a ser, em sua parcela importante, por uma ideologia gerencialista, que mais se adequa a iniciativa privada e não a um modelo de saúde que deve ser integral, universal e amplo o suficiente para atender as necessidades mais fundamentais de saúde, bem como estar pronto a incorporar técnicas e conhecimentos novos que venham a garantir saúde e melhor qualidade vida para os brasileiros.
LSS contribuiu na concepção e redação do manuscrito.
Bresser-Pereira LC. Depois do capitalismo, o gerencialismo democrático. RAE - Rev Adm Empres.2021;61(3):e0000-0012. https://doi.org/10.1590/S0034-759020210304.
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