Crit Revolucionária, 2023;3:e005
Artigo de debate
https://doi.org/10.14295/2764-4979/CR_RC.2023.v3.13
i Universidade Federal de São Paulo – Unifesp, Centro de Desenvolvimento do Ensino Superior em Saúde – CEDESS, Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Ciências da Saúde. São Paulo, SP, Brasil.
Autor de correspondência: Leonardo Carnut Leonardo.carnut@unifesp.br
Recebido: 14 out 2022
Revisado: 24 mar 2023
Aprovado: 01 jun 2023
Copyright: Artigo de acesso aberto, sob os termos da Licença Creative Commons (CC BY-NC), que permite copiar e redistribuir, remixar, transformar e criar a partir do trabalho, desde que sem fins comerciais. Obrigatória a atribuição do devido crédito.
Este artigo trata da (re)construção histórica desde o uso da categoria ‘fascismo’ e suas especificidades para pensar a América Latina até o uso da categoria ‘neofascismo’ e suas aplicações. Este artigo é a primeira parte de um tríptico que apresenta as fases do debate sobre o neofascismo na América Latina. Metodologicamente, optou-se por uma análise histórico-crítica da categoria por meio de uma compilação do debate encontrado por autores clássicos e contemporâneos que discutem o tema. Neste artigo em específico, três seções foram elaboradas. Uma primeira que trata do problema da categoria ‘fascismo’ e seu debate em contraponto ao neofascismo na região. Uma segunda que apresenta o debate latino-americano e as categorias centrais que precisam ser revistas para um debate sobre a realidade concreta da região. E, uma terceira, que trata da emergência do ‘neofascismo’ na tentativa de diferenciar-se do fascismo vivido nos anos de 1930. Por fim, considerações parciais foram levantadas.
Descritores: Fascismo; Capitalismo; Marxismo; Derivacionismo; Estado.
NEOFASCISMO(S) LATINOAMERICANO(S) I – DEL FASCISMO AL NEOFASCISMO: COMPILANDO EL DEBATEResumen: Este artículo trata de la (re)construcción histórica desde el uso de la categoría 'fascismo' y sus especificidades para pensar América Latina hasta el uso de la categoría 'neofascismo' y sus aplicaciones. Es la primera parte de un tríptico que presenta las fases del debate sobre neofascismo en América Latina. Metodológicamente, se optó por un análisis histórico-crítico a través de una recopilación del debate encontrado por autores clásicos y contemporáneos que abordan el tema. En este artículo específico, se elaboraron tres apartados. El primero aborda el problema del 'fascismo' y su debate como contrapunto al neofascismo en la región. Un segundo que presenta el debate latinoamericano y las categorías centrales que necesitan ser revisadas para un debate sobre la realidad concreta de la región. Y, un tercero, que trata sobre el surgimiento del 'neofascismo' en un intento de diferenciarse del fascismo vivido en la década de 1930. Finalmente, se plantearon consideraciones parciales. Descriptores: Fascismo; Capitalismo; Marxismo; Derivacionismo; Estado. |
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LATIN AMERICAN NEO-FASCISM(S) I – FROM FASCISM TO NEO-FASCISM: COMPILING THE DEBATEAbstract: This article deals with the historical (re)construction from the use of the category 'fascism' and its specificities to think about Latin America until the use of the category 'neo-fascism' and its applications. It is the first part of a triptych that presents the phases of the debate on neo-fascism in Latin America. Methodologically, we opted for a historical-critical analysis through a compilation of the debate found by classic and contemporary authors. In this specific article, three sections were elaborated. The first deals with the problem of 'fascism' and its debate as a counterpoint to neo-fascism in the region. A second one presents the Latin American debate and the central categories that need to be revised for a debate on its concrete reality. And, a third one deals with the emergence of 'neo-fascism' in an attempt to differentiate itself from the fascism lived in the 1930s. Finally, partial considerations were raised. Descriptors: Fascism; Capitalism; Marxism; Derivationism; State. |
No cenário do capitalismo contemporâneo ultraneoliberal,1 a emergência de novos tipos de fascismo tem sido uma constante em todo o mundo, e na América Latina não tem sido diferente.2 Refletir sobre esse fenômeno – não apenas como aparência, mas questionando se há de fato algo novo – é uma tarefa que o pensamento crítico deve analisar com muita cautela. Isso porque está se tornando lugar-comum, especialmente entre os que defendem uma saída política via reedição de diversos progressismos, que aquilo que se vive hoje não é fascismo, ou nem sequer pode ser compreendido como algo semelhante.3,4,5
Logo, ao nos depararmos com esse tipo de análise, é praticamente impossível não nos perguntarmos: por que negar a categoria ‘fascismo’ para compreender o cenário mundial em que vivemos – mesmo com diversos ataques de uma extrema-direita que reatualiza técnicas e práticas fascistas? Por que o debate sobre o fascismo na América Latina não parece ser apropriado e alguns analistas apresentam reservas em utilizar o ‘fascismo’ para entender a especificidade dessa região? Por que, mesmo sob a permanência de práticas fascistizantes e grupos fascistizados na América Latina, certos analistas defendem o abandono da categoria ‘fascismo’? É possível dizer que há um fascismo de novo tipo (neofascismo) vivenciado na América Latina, com traços de originalidade? É possível construir uma outra compreensão sobre os (neo)fascismos na América Latina que não passem por saídas políticas que apostem nos novos progressismos dos pleitos eleitorais de 2022 – como Xiomara (Honduras), Boric (Chile), Petro (Colômbia) e Lula (Brasil)?
Entendemos que, sem uma reflexão crítica radical sobre essas perguntas, é praticamente impossível respondê-las. Assim, este artigo tem o objetivo de resgatar o conteúdo sobre a categoria ‘fascismo’, e sua nova expressão chamada de ‘neofascismo’, para pensar as realidades latino-americanas a partir da compreensão realizada, primordialmente, pelos autores latino-americanos. O intuito com essa tarefa é compilar o que já foi produzido sobre os ‘usos’ e ‘desusos’ dessa categoria para pensar a América Latina. A intenção é que isso nos ilumine a identificar a pertinência (ou não) da categoria ‘fascismo’ para os dias atuais. Como saída teórico-política para esse debate, sugerimos a contribuição que o debate da derivação do Estado pode proporcionar para se pensar o(s) neofascismo(s) nessa conjuntura.
É pertinente lembrar que o debate da derivação do Estado faz parte de uma tradição de análise sobre a relação Estado e Capital elaborada pelo que se convencionou chamar de Debate Derivacionista.6 Esse debate aconteceu na antiga República Federal da Alemanha entre 1970 e 1974, principalmente em Berlim Ocidental e Frankfurt, e no interior da Conference of Socialists Economists – CSE, no Reino Unido, nesse mesmo período. Ainda, atualmente, depois de quarenta anos de seu desenvolvimento, é pouco conhecido esse debate na América Latina, mesmo entre os marxistas – perspectiva que o originou. Desde o seu início, esse debate vem se consolidando em uma complexa teoria materialista do Estado. Embora Marx não tenha desenvolvido uma teoria do Estado, a presença do Estado ronda sua obra como um todo, especialmente nos três livros de “O Capital”.7,8,9 Esse espectro do Estado Moderno é a categoria que, em suas análises, subjaz a gênese do capitalismo, completando a compreensão sobre o modo de produção capitalista, após o legado marxiano e, especialmente, com Lênin, em “O Estado e a Revolução”.10 Evguiéni Pachukanis, em seu livro “A teoria geral do direito e o marxismo”,11 retoma uma atenção ao Estado como categoria importante na compreensão da dinâmica da sociabilidade capitalista sendo reanimada e, assim, elaborada originalmente. Após um longo período de estagnação (1930 a 1970), o debate derivacionista se reaquece com Joachim Hirsch e em uma versão revisitada por John Holloway. Este último, juntamente com Sol Piccioto, elabora uma análise pioneira para repensar o debate à luz do antagonismo social, enfatizando o papel da luta de classes e distanciando-se das análises muito abstratas.12 Entendemos que essa perspectiva parece bem apropriada para pensar os Estados latino-americanos, inaugurando, assim, um caminho para a compreensão da especificidade da forma jurídica desses Estados em suas singulares formações sociais.
Desse modo, optou-se por uma análise histórico-crítica das categorias fascismo e neofascismo por meio de uma compilação do debate encontrado por autores clássicos e contemporâneos que discutem o tema. Ao identificarmos a complexidade teórica e política do debate – que certamente é uma fortaleza deste tema – verificamos que é impossível sintetizá-lo sem incorrer em reduções dos argumentos, o que fatalmente levaria a uma revisão apressada que pouco ajudaria a entender o problema. Para não incorrer neste problema, optou-se por dividir este artigo em três partes.
Assim, desenvolveremos este tema em um tríptico. A primeira parte – a qual se refere este artigo – trata da (re)construção histórica desde o uso da categoria ‘fascismo’ e suas especificidades para pensar a América Latina até o uso do termo ‘neofascismo’ e suas aplicações, visando compilar este debate. O segundo artigo aborda a continuidade deste debate, partindo das controvérsias sobre o termo ‘neofascismo’ para entender a América Latina, passando pelo intenso dissenso dos anos 1970 a 1980, até chegar nas novas direções e limites que o debate ganhou nos anos de 1990. O último artigo, que finaliza este tríptico, propõe uma compreensão do neofascismo por meio do derivacionismo, de base pachukaniana-hollowoyana como forma de repensar e reorientar o debate sobre esse fenômeno na América Latina.
Para este artigo em específico, o caminho escolhido expõe os argumentos em três seções. A primeira seção trata do problema da categoria ‘fascismo’ e de como seu debate em contraponto ao neofascismo pôde ser delimitado na região. A segunda seção apresenta o debate latino-americano e as categorias centrais que, em uma visão latino-americana, precisam ser revistas a partir da realidade concreta da região, e não mimetizando ou importando interpretações eurocêntricas que não correspondem à realidade local. A terceira seção trata da emergência do ‘neofascismo’ ou ‘fascismo de novo tipo’ como categoria explicativa, na tentativa de diferenciar-se do fascismo vivido nos anos 1930.
Certamente, a única convergência que há no debate sobre fascismo é sobre sua divergência científica enquanto categoria. Isso ocorre porque há uma diferença considerável entre as matrizes de análise social sobre aquilo que o fascismo é ou não é. Inclusive, a depender da matriz, disputas internas pelo termo também ocorrem. Soma-se a isso o ‘ponto de partida’ do qual se está falando sobre o termo. Trata-se do ‘fenômeno empírico’ ou do ‘projeto político idealizado’? Esse é um ponto importante, mas, como se não fosse suficiente para gerar tanto ruído, agrega-se a ele outro ponto: está se falando do fascismo enquanto ‘ação estatal institucionalizada’ (na forma legal, política ou até mesmo subentendidaa!) ou do fascismo enquanto ‘ação sociopolítica e cultural nas relações sociais cotidianas’ (grupos que assumem a postura ou até a identidade fascista)? Para tornar ainda mais complexo o debate, é importante ter em mente a seguinte pergunta: trata-se do fascismo em ‘qual lugar’ (Estado-nação e suas formações sociais específicas) e em ‘qual tempo’ (sócio-histórico)?
a Entende-se por 'subentendido' na ação institucionalizada o comprometimento tácito com projetos fascistas por agentes do Estado (membros dos poderes instituídos: legislativo, judiciário, executivo e suas burocracias – funcionários públicos). Em que pese que isto seria também uma dimensão ou produto da ação sociopolítica e cultural, há uma diferença: eles/as são sujeitos que ‘fazem/conformam a instituição Estado’, diferentemente da ação sociopolítica e cultural fora desta instituição.
Esta última pergunta nos conduz, inevitavelmente, a pensar sobre a diferença entre o fascismo localizado historicamente no período de 1920-1940 (período entreguerras) e o fascismo que perdurou após a segunda guerra mundial (1945 em diante). Para o tempo sócio-histórico pós-1945, diversos autores13,14,15 apresentam análises que nos remetem a considerar a categoria ‘neofascismo’ como a mais apropriada para nomear o que se vive (ou revive) nos dias atuais sobre a insígnia do fascismo do entreguerras. Então, para começar a separar o que é o fascismo do entreguerras – também chamado de fascismo clássico ou histórico – do neofascismo, é necessário notar alguns elementos.
O primeiro deles diz respeito às tendências neofascistas que se assemelham em alguns aspectos aos fascismos historicamente surgidos na primeira metade do século XX. Apesar de se aproximarem por vezes, tendo em vista que nem as condições que geraram os primeiros fascismos são idênticas às atuais, é possível encontrar muitas semelhanças – principalmente no contexto da crise do capital. É possível, então, traçar certos paralelismos entre a crise estrutural do capital de 1929 e a crise de 2007–2008, especialmente em termos de gravidade, profundidade ou envergadura. Não obstante, suas consequências já foram documentadas como “semelhantes” por diversos especialistas16,17 e até antevistas por outros18. Esse é um ponto que, tradicionalmente, é criticado tanto pelos autores de abordagem culturalista19 – que restringem o fascismo aos seus grupos e símbolos –, como pelos autores historicistas20 – que “aprisionam” o fascismo no período entreguerras, justificando que após esse período nada pode ser chamado de ‘fascismo’. Somam-se a eles os autores de abordagem sociologista21 – que criticam as semelhanças da crise estrutural do capital22 dizendo que esse argumento é uma persistência economicista na explicação da gênese do fascismo, tendendo a qualificar o neofascismo como de “baixa intensidade”. Defendemos que, em uma análise marxista ortodoxab,23,24 o papel da crise do capital e suas repercussões sócio-históricas são os pontos nodais na compreensão da realidade neofascista. Mesmo reconhecendo esses pontos, eles estão longe de ser apenas a determinação absoluta na explicação de fenômenos políticos tão complexosc.25
b Consideramos como ‘análise ortodoxa’ aquela que se fundamenta no método marxiano, ou seja, no desenvolvimento do método de exposição-investigação materialista histórico-dialético.
c Concordamos com Mara quando afirma que: “[...] assim como o fascismo histórico, tampouco o neofascismo parece resumir-se a uma expressão mecânica [grifo nosso] das necessidades econômicas do grande capital”. Mas isso não significa dizer que não haja uma ligação ‘orgânica’ com ele.
Por isso, o segundo elemento é tão necessário quanto o anterior para compreender o fenômeno fascista: o movimento dialético e contraditório das classes sociais. Nem as relações de produção, e, portanto, nem a luta de classes cessaram o movimento dialético, e permanecem iguais às da primeira metade do século XX. Pelo contrário, fermentaram suas insatisfações ao longo do decurso socialdemocrata das ‘reformas parciais’ que habitaram a história do segundo quartel do século XX. As reformas fragmentadas, disciplinadas e encerradas aos moldes do Estado Social capitalista atuaram domesticando a luta de classes e postergando a possibilidade de insatisfação social da burguesia. Isso tem sido amplamente relatado na literatura sobre neofascismo como tempo de “germinação” necessário da consciência social sobre a falácia da conciliação de classes e da “harmonia social” no capitalismo.22 Sob intenso reformismo, as classes sociais se dão conta da contradição intrínseca da produção social capitalista e da incapacidade do Estado em solucionar essas contradições, demonstrando claramente os seus limites (e de suas políticas públicas e sociais) em “melhorar inexoravelmente” as condições de vida e de trabalho (expectativa conhecida como: melhorismo). Não raro, quando a politização da classe trabalhadora não foi o suficiente para qualificar sua crítica, organização e ação política à esquerda, o melhorismo promoveu o mecanismo contrário: a explosão da burguesia. Com o limite da paciência exaurido, a burguesia desvela o véu do suposto pacto de harmonia, demonstrando que suas insatisfações têm prazo para expirar. O rompimento da tolerância burguesa eclode, primeiramente, em repulsa, logo, em ódio, e, depois, em agressão. Esse percurso da formação social do fascismo, guardadas as devidas especificidades em cada país, é o mesmo no neofascismo.
O terceiro elemento é o cuidado que se deve ter com o uso do termo sob os pontos de vista institucional, legal e até mesmo cultural. Embora seja tentadora a possibilidade de englobar indefinidamente diversos regimes e práticas culturais dentro da categoria, é preciso se policiar contra isto, a fim de prevenir a banalização e o esvaziamento do termo. Assim, em uma análise marxista, de base gramsciano-poulantiziana,26,27 a dialética entre força e consenso e o papel político da luta de classes no interior do Estado capitalista têm sido as mais utilizadas para caracterizar o fascismo institucionalmente como a mais agressiva etapa de “degeneração”d da dominação política burguesa. Nessa etapa, uma burguesia cujo consenso está em franco processo de desestabilização e cuja capacidade de exercício da repressão encontra-se desgastada ela apela para violência nua e crua, demonstrando a real natureza do Estado capitalista, nem que para isso seja necessário suspender as liberdades democráticas burguesas por um período de tempo. Esse tempo é o necessário para tomar medidas salvacionistas do capital, e a relação entre Estado-sociedade dependerá da capacidade das classes de reagir à sua maneira – ou tensionando pelo definhamento do Estado ou reforçando o Estado como detentor do monopólio da violência.
d Aqui, usamos como ideia de ‘degenerar’, no sentido mesmo da ação de mudar para um estado ou condição qualitativamente inferior.
Então, entendida com uma gradação, a categoria fascismo é usada nos moldes em que Thalheimer28 a definiu com relação ao bonapartismo:
O bonapartismo é, portanto, uma forma do poder do Estado burguês numa situação de defesa, de fortificação, de refortalecimento contra a revolução proletária. É uma forma da ditadura aberta do capital. Sua outra forma bastante semelhante é a do Estado fascista. O denominador comum é a ditadura aberta do capital. Sua forma de manifestação é a autonomização do poder Executivo, o aniquilamento do domínio político da burguesia, e a submissão política de todas as outras classes sociais ao poder Executivo. Seu conteúdo social, ou de classe, porém, é a dominação da burguesia e dos proprietários privados em geral, sobre a classe operária e todas as outras camadas exploradas pelo capitalismo.28(27)
É assim que, segundo Thalheimer28 democracia, bonapartismo e fascismo são faces (gradualmente distintas) da mesma forma de dominação política no capitalismo: a dominação burguesa. Contudo, apenas isso não é o suficiente para demonstrar sobre o que o fascismo é capaz com relação ao ódio que fomenta.
Já em comparação com o neofascismo, as aparências institucionais são outras, mas o mecanismo permanece exatamente o mesmo. No neofascismo do século XXIe, não há necessidade de uma mudança do regime político para uma ditadura, como no caso do fascismo do século XXf. A dominação política do capital financeiro e o papel que desempenham as instituições do capital mundializado já possibilitaram o avanço da sociabilidade capitalista a todos os rincões do planeta. Isso já é suficiente para não fazerem muito sentido os momentos de inflexões do regime político em ditaduras tradicionais. Afinal, na prática, já se vive a ditatura absoluta do capital! Com um movimento operário internacional amplamente fragilizado, uma esquerda subserviente ao progressismo neoliberal de cariz pós-moderno e uma imaginação político-radical fortemente dissipada, a burguesia não precisa necessariamente fazer esforços substanciais em mudanças de regime, já que a força necessária que uma ditadura poderia impor já é feita diuturnamente a conta-gotas. E pior, é consensuada politicamente – parece não haver outra alternativa ao capitalismo, e, naturalizada culturalmente, apregoa-se que o ser humano é egoísta por natureza. Assim, vive-se o capitalismo como única forma de existirg.
e Uma dúvida que sempre emerge é: ‘Existiu neofascismo do século XX?’ Existe uma infinidade de respostas a este questionamento que dependem, necessariamente, das pressuposições que constituem a ampla divergência científica sobre a categoria ‘fascismo’ e que se reproduz na categoria ‘neofascismo’ –conforme exposto no início da seção: O problema da categoria ‘fascismo’ deste artigo. Além disso, existiu um debate no interior da Teoria Marxista da Dependência, também permeado de muito dissenso, sobre se houve ou não neofascismo na América Latina. Especificamente este último ponto será tratado no segundo artigo deste tríptico.
f Especialmente no caso do Brasil, em relação ao golpe de 2016 contra a presidenta Dilma Rousseff, pode parecer questionar essa afirmação. Os golpes, em sua maioria, são quase sempre tentativas de rompimento de um regime político (de democracias para ditaturas e vice-versa, apenas para ficar neste exemplo mais simples). No entanto, os golpes de Estado no século XXI não tem necessariamente figurado neste nível de ruptura. São golpes passivos, sem uso da força explícita – mas de forte apoio militar – que se usa de artifícios da forma/legalidade jurídica para destituição da liderança democraticamente eleita que se apresenta disfuncional ao processo de acumulação capitalista, mantendo-se a fachada democrática das instituições. Ou seja, não há um rompimento de regime (ainda que se deseje fazê-lo) mas muitas vezes não é tão necessário em função do nível de consenso que o capitalismo adquiriu no seu avanço universalizante pós-queda do muro de Berlin.
g É importante enfatizar que isso não exclui a luta de classes. Este argumento pode parecer que se está totalizando o capital de forma a extinguir as contradições do mesmo. Pelo contrário, isto não deve fornecer uma ideia de derrotismo, como se de fato tudo já estivesse dominado e não houvesse experiências, mesmo que espontaneístas, de luta contra a exploração de classe. Se o fascismo avança é porque a luta da classe trabalhadora está tensionando o capital.
Destarte, se o fascismo “declarado”, à moda antiga, era a expressão mais autoritária do capitalismo em tempos de crise, hoje, já não funciona mais dessa forma, à exceção de raras experiências onde aquele mesmo fascismo parece retornarh. O neofascismo, hoje, é uma estranha e improvável junção de duas coisas que aparecem como contraditórias: neoliberalismoi e neoautoritarismoj.29 A expressão do novo fascismo, isto é, essa fusão de neoliberalismo e neoautoritarismo, sustenta-se pelas atualizações dessa díade no aparato estatal. Assim, o autoritarismo inerente ao capitalismo não se mostra muito autoritário, gerando uma polifonia de discursos negadores do neofascismo e muita confusão proposital no mundo científicok. Diversos cientistas, baseados majoritariamente em compreensões de cunho positivista, esperam uma “replicação” automática do fascismo entreguerras nos dias atuais, tornando-se míopes ao fenômeno. Quando não se atenta com rigor crítico a esses pontos, é neste momento que o grande triunfo dos neofascistas ocorre.30
h O caso de Myanmar, por exemplo.
i Entendido como novas formas de liberdade em termos de mercado e em termos políticos.
j Entendido como novas formas de repressão política com certo grau de protecionismo mercadológico.
k Trata-se de uma liberdade (neoliberal) cada vez mais restrita para o ‘livre’-trânsito das mercadorias e uma coerção (neoautoritária) cada vez mais domesticadora das aspirações rebeldes para que elas se ‘encaixem’ na lógica da acumulação, ou seja, que produzam valor. Essa aparência do fenômeno, por mais que faça sentido, obscurece o essencial: o capital é autoritário por natureza. Portanto, falar de capitalismo é falar de autoritarismo. Logo, não há nada estranho e improvável nisso.
As relações das classes sociais no fascismo expõem o protagonismo das camadas médias como seus principais propagadores ideológicos. No neofascismo isso não é diferente. O sentimento de propriedade combinado com as aspirações de uma vida burguesa típica fazem as camadas médias (ou classes médiasl)31,32 desejarem uma mudança de vida, e a crise do capital é vista como uma oportunidade e não como um problema (por mais que haja perdas materiais concretas para esta classe). Como caracteriza Ribera:33
l Pequena-burguesia é um termo que descreve a classe média no marxismo, já que a ideia de uma “classe” média não faria muito sentido quando se fala da categoria ‘classe’. Sendo assim, o marxismo opta pelo termo “camadas médias” das classes, justamente por essas classes (e não uma só) tenderem a convergir política e ideologicamente, por meio de uma mescla muito difusa de interesses políticos e visões de mundo. Grosso modo, eles tentam imitar os padrões de consumo e de gosto da burguesia tradicional, mas, não obstante, esse termo se tornou, no adágio popular, um qualificativo para um grupo social que tem uma visão do mundo redutora, preconceituosa ou tacanha.
Como construção ideológica, o fascismo corresponde à ideologia da classe média ou, melhor dizendo, ao segmento específico que o marxismo caracteriza como a pequena burguesia. Em outras palavras, nem todas as classes médias, que é um conceito que corresponde mais de perto ao nível de renda e, portanto, às relações sociais de distribuição ou consumo, mas sim aquelas cuja posição nesse estrato social advém de sua posição na sociedade. [...]. Por possuírem os meios de produção e empregarem trabalho assalariado, aproximam-se da condição da burguesia, mas por causa de seu capital escasso, dos poucos assalariados que empregam, de seu contato diário com eles e de sua participação pessoal no trabalho, seriam mais próximo da situação dos trabalhadores.33(609)
É assim que pequenos latifundiários, rentistas, comerciantes, profissionais liberais, empregados de colarinho branco, funcionários públicos e burocratas de toda espécie – até alguns intelectuais e artistas – deixam-se seduzir pelo fascismo (tornam-se facilmente fascistizáveis). Outro segmento específico desse setor social massivamente mobilizado pelo fascismo é formado pelos funcionários do aparato coercitivo: policiais, juízes, soldados e funcionários do judiciário. Por sua própria função social e ideologia de classe, tendem a simpatizar com os postulados contrarrevolucionários e reacionários do fascismo. Geralmente, são colaboradores de primeira ordem para a garantia da impunidade para suas agressões e atos de violência, privando suas vítimas da possibilidade de recorrer aos agentes da lei ou às instâncias judiciais, onde predominam simpatizantes e militantes do fascismo. No campo, o fascismo conseguirá unir não só os grandes latifundiários, mas, também, muitos proprietários de médio porte e camponeses que possuem pequenos lotes. Eles estão convencidos pela retórica antissindical e anticomunista, em uma situação em que a luta de diaristas e proletários agrícolas por reivindicações está em ascensão. Eles também são seduzidos pelo discurso imperialista de expansão territorial que o fascismo proclama.33
O fascismo também recruta entre aqueles que o marxismo descreve como aristocracia operáriam,34 seja porque são um pouco mais bem pagos ou, sobretudo, porque ocupam cargos de controle ou direção. São aqueles gerentes de loja e capatazes, promovidos de baixo para cima, que muitas vezes se comportam de forma despótica com seus ex-colegas. Aqueles trabalhadores que antes eram silenciosos e passivos, muitas vezes vistos com desconfiança, agora ousarão de sua nova militância fascista gritar contra os agitadores e os inimigos do país. Eles oferecem uma oportunidade preciosa para enfraquecer as organizações de classe, romper sua unidade e preparar as condições para a promoção do corporativismo ou sindicalismo vertical.33 É, ainda, essencial dizer que as linhagens que se acham nobres e a burguesia colaborarão para o fascismo, dando-lhe um forte financiamento, mas quase sempre nos bastidores e evitando aparecer publicamente para não serem ‘identificados com o movimento’. A retórica antiburguesa do fascismo chega a ser “aparentemente socialista” em seus estágios iniciais, contudo, não ajuda exatamente a superar a relutância da classe dominante, que, no entanto, não hesitará em usá-la como instrumento para salvar suas posições de poder ameaçadas pela eminente revolução proletárian.33
n Vale ressaltar enquanto materialidade histórica, por exemplo: a legitimidade do governo de Jair Messias Bolsonaro construída sobre sua retórica (aparentemente) antissistema, com aparência de crítica à institucionalização burguesa através de seus mecanismos de consenso.
m Aristocracia operária – médicos, advogados, engenheiros. Profissões imperiais típicas da modernidade.34
Do ponto de vista do curso de longa angular na história, o fascismo se vincula a um padrão de articulação política necessário entre o centro e a periferia do mundo capitalistao. A probabilidade (ou a improbabilidade) de eliminá-lo passa pelo “nacionalismo revolucionário” ou pelo “socialismo revolucionário”, duas realidades que se escasseiam em um cenário histórico esclerosado por burguesias nacionais fortemente pró-imperialistas e esterilizado direta ou indiretamente pelas próprias pressões dos países de capitalismo central.35 Assim, quando se discute o fascismo na América Latina – o fascismo entreguerras mesmo! –, o debate sobre o tema tende a recair em dois pontos. Vejamos.
o Esta é uma afirmação bastante controversa dentro do marxismo que gera um debate que não cabe aqui. Mas apenas a título de brevíssimo esclarecimento, há uma tese que defende a relação entre: fascismo como forma de avanço das formas sociais capitalistas (tanto para o centro, mas com muito mais intensidade na periferia), ao ponto de que, nos países periféricos, as práticas fascistas estariam tão assentadas no cotidiano das interações sociais que elas se naturalizam.
O primeiro deles é sobre as heranças históricas do fascismo da Europa para a América Latina. Nesse ponto, existe uma ênfase dos pesquisadores em examinar a questão da influência do fascismo, distinguindo-o da experiência histórica do regime de Mussolini como modelo internacional, exaltando a ideologia fascista como filosofia política de aspiração cultural universal adaptada ao pan-latinismo. Esses estudos findam por insistir nas comparações dos fenômenos ditos fascistas de imitações ou superficiais – sejam institucionais, de movimentos ou militares – dos fenômenos próximos ou afins. Essas pesquisas chegam a conclusões, por vezes apologéticas ao fascismo, afirmando que, ao não se identificar a diferença entre a ideologia fascista originária – aquela dos documentos ou da retórica – das que de fato foram feitas, isso geraria muitas confusões e interpretações errôneas.36 Esses tipos de análises, por mais bem-vindas que sejam, tendem a recair em uma perspectiva fortemente culturalista de compreensão do fenômeno fascista. Por enfatizar aquilo que o grupamento fascista diz que é, que proclama ou, ainda, que sugere em suas cartas e declarações, tende a escamotear a prática fascista de sua posição de classe e de sua luta pela hegemonia, minorando seu papel contrarrevolucionário e gerando, por fim, conclusões de cunho normalizador.
Não obstante, aquilo que se encontra nesses estudos sobre o fascismo na América Latina é o mesmo sobre o neofascismo, só que dessa vez em um grau muito mais elevado. As análises culturalistas sobre o neofascismo na América Latina, grosso modo, apresentam dois grandes cursos: um que segue uma explicação que recai em algum tipo de pós-modernismo – é um problema do discurso, da retórica, da identidade ou da representação fascista. Ou, ainda, outro curso, que defende que o problema simplesmente não existe, já que aquilo que se apresenta na América Latina não é fascismo, mas, sim, um certo de tipo de ‘novo autoritarismo’ de Estado – como se na América Latina a tradição do Estado capitalista não fosse autoritária em si mesma, e como se o capitalismo também não o fosse em sua essência.
O segundo ponto diz respeito à influência impositiva dos partidos comunistas (PC) na América Latina e, em especial, à influência do PC Russo e da III Internacional na interpretação do fascismo na América Latinap. Gonzalez37 nos demonstra isso por meio da análise das práticas de certos PCs na região. No caso do Chile, por exemplo, foi expresso que:
p A III Internacional Comunista (1919–1943) – também chamada de Komintern –, foi uma organização internacional fundada por Vladimir Lenin e pelo Partido Comunista da União Soviética (bolchevique), em março de 1919, para reunir os partidos comunistas de diferentes países.
[...] a primeira virada dos partidos comunistas latino-americanos na América Latina em relação à tese da luta frontal contra a burguesia e o imperialismo ocorreu por volta de 1935, quando a tese das frentes populares começou a valer com a posterior rejeição às ideias trotskistas [...]. É o caso do Partido Comunista Chileno em 1938, que no texto ‘A Frente Popular no Chile’, assinado por seu secretário-geral, Carlos C. Labarca, sustenta que a luta revolucionária é uma luta pelas “liberdades democráticas” e contra o imperialismo, reação que tomou a forma de fascismo. Segundo este documento, para levar a cabo esta luta é necessária uma aliança na qual estejam presentes os comunistas, os católicos, certos grupos burgueses e os intelectuais. Além disso, trata-se de ter uma política de “boa vizinhança” com os Estados Unidos, o que significa que a legalidade deva ser respeitada por todos que [...], na luta contra o fascismo, optaram pela democracia [tradução nossa].37(9)
Segundo Gonzalez,37 essa é a tônica que reverberou, fazendo com que esse modo de pensar o fascismo atingisse todos os locais onde o PC tinha certa influência. O caso do Partido Comunista Cubano, em 1939, caminhou na mesma direção. O autor relata que, para o PC Cubano, Fulgencio Batista foi visto como um defensor das tendências progressistas e democráticas e que, como chefe da Frente Fascista Americana em formação, é atacado pela reação antifascista. O Partido Comunista Argentino, em 1939, também faz parte dessa tendência. Para esse líder comunista, o politicamente reacionário – fascismo – deve ser varrido pela democracia que florescerá com a ascensão de forças jovens, progressistas e revolucionárias. Democrata é o governo que se apoia nas grandes massas contra as oligarquias reacionárias. Na América Latina, a democracia não poderá ser implantada de uma só vez, pois para isso são necessárias condições econômicas e sociais básicas. Nesse sentido o que seria mais importante seria a democracia política. E, para isto, ela requeria a formação de uma burguesia nacional liberal. De resto, a massa popular estaria ciente de que não pode haver luta anti-imperialista – antifascista – sem uma luta correlata pela democracia. Esta última deveria abrir espaço para amplos setores da população que desejam se engajar nela.37
No final da década de 1930, quando o poder de atração de outubro de 1917 começa a se esvair, Stálin lidera a luta antifascista com a qual o espírito libertador dos comunistas russos é recuperado com força incomum. Em suma, o antifascismo stalinista tem duas fases muito diferentes uma da outra: na primeira, que abrange praticamente a década de 1930, Stálin promove a crítica ao fascismoq, mas, na verdade, mantém aproximações com Hitler, a ponto de chegar a assinar o pacto germano-soviético (1939) no qual se compromete a não atacar militarmente a URSS. Essa situação gera confusão em alguns círculos comunistas e em alguns militantes, que não compreendem a aliança entre os inimigos da humanidade e seus salvadores. No entanto, todos acabam aceitando as críticas e os apelos stalinistas contra o fascismo, deixando de lado o fato de que a reaproximação entre os dois líderes contraria totalmente os apelos à luta contra os nazistas formulados do alto do poder soviético. Já na segunda fase, tratou-se do ataque frontal e mortal ao nazifascismo, que resultou em seu aniquilamento militar.37
q Cabe destacar também as críticas que Trotsky e Zetkin fizeram a teoria do social-fascismo encabeçada por Stálin e posteriormente por Dimitrov. Pachukanis também tece algumas críticas. Embora o foco do artigo seja a América Latina, vale a pena lembrar esses autores clássicos.
Nos dias de hoje, a influência dos PCs no debate público sobre a política – mesmo a eleitoral – é praticamente inexpressiva. Com o fim da URSS, a queda do muro de Berlim e o avanço das democracias procedimentais de massa, o efeito dos Partidos Comunistas no mundo desapareceu. Não há evidências suficientes hoje de que as agremiações comunistas tenham alguma relevância na disputa pelo eleitorado,38 pela juventude39 ou ainda por frações da classe trabalhadora.40 Os erros históricos do socialismo real vivido da URSS cobraram um preço inestimável para as futuras gerações a ponto de aplastar por completo o horizonte comunista. A opção de reavivar o debate socializador e a possibilidade de outros modos de produzir arrefeceu seu discurso, tornando tolerável apenas qualquer vocábulo que se afaste do termo comunismo. Assim, uma das saídas da esquerda mundial foi tergiversar discursivamente através de pautasr que se dizem socializadoras ou anticapitalistas. Outra saída, em território latino-americano, foi fazer das reformas sociais a possibilidade de algum tipo de socialização tutelada pelo Estado capitalista, rememorando o que houve de mais avançado na condução da luta pelo Estado na Europa do século XX, mas com as contradições e incompletudes próprias de formações sociais heterogêneas e de sociabilidade capitalista inconclusas.
s A palavra inconclusa, desde um ponto de vista latino-americano, é uma palavra infeliz. Isto porque a condição de ‘incompletude’ sempre é comparada com uma condição de ‘completude’ – que tem como parâmetro as condições econômicas, políticas e ideológicas dos países capitalistas centrais. Esta palavra passa a ideia – errônea, ao nosso entender – de que na América Latina “falta” desenvolvimento. Certamente isto depende de quais parâmetros e quais finalidades que se considera algo como ‘desenvolvido’ ou ‘não desenvolvido’. É frequente pesquisadores sobre o fascismo, de nacionalidades latino-americanas, incorrerem no ‘olhar europeu’ sobre a questão, reproduzindo-o. Por isso seu emprego merece cautela.
r Pautas que se enquadrem ao capitalismo, e não projetos societários.
Nesse cenário, na América Latina, quaisquer tipos de proposições políticas que sejam direcionadas a socializar bens, tecnologias ou direitos sociais são vistos como uma “ameaça comunista”. Mesmo sendo algo minúsculo, dentro da ordem capitalista, que por vezes não apresenta nada de ameaçador – e sim conciliador –, é compreendida pela burguesia latino-americana como um inimigo que deve ser eliminado de antemão. É assim que a tendência neofascista das frações burguesas e seus congêneres fascistizados arrastam ideologicamente os sentimentos, vontades e expectativas. Situações de crise são ideais para que essas ideias fascistas floresçam e alcancem outros públicos. Mas, claro, tais ideias não são gestadas pela crise. Na América Latina, estão geneticamente entranhadas em nossa formação social. Diferentemente da Europa, na América Latina, estamos sempre com o espectro fascista à espreita, mas não necessariamente formalizado em grupos ou partidos, não expresso especificamente em ditaduras ou movimentos, mas no desejo desesperado de uma burguesia subalterna de manter-se distinta da pobreza. Burguesia essa que só cresce associadamente ao capital estrangeiro e que não arreda um milímetro sequer de sua condição de classe porque ela sabe que foi forjada artificialmente. A burguesia subalterna latino-americana não é uma burguesia que lutou pela liberdade liberal, mas a recebeu como uma imposição para se manter com a propriedade nas mãos. Sua posição social é um débito vitalício, que ela faz questão de pagar adiantado porque não está disposta a perder nem a “arredar o pé” do seu lugar de classe em hipótese nenhuma.
Tanto no fascismo como nos neofascismos latino-americanos, algumas categorias devem ser analisadas com muitas ressalvas. Para uma análise crítica marxista sobre esses fenômenos políticos na América Latina, cinco categorias centrais devem ser revistas a partir da realidade das formações sociais específicas de cada país. Ainda, devem ser analisadas em conjunto com a história do bloco geoeconômico latino-americano e sua inserção na economia mundial constituída, caso se deseje uma precisão adequada. São elas o ‘Estado’, a ‘democracia’, as ‘características domésticas’, a ‘ideologia’, e o ‘anticomunismo’.
No que se refere à categoria Estado, na América Latina, o estatismo sempre implicou uma admiração por um Estado autoritário e corporativo que, teoricamente, resolveria crises político-econômicas e seria o “motor” do desenvolvimento social. Essa aposta no Estado advém, em parte, como fruto das teses desenvolvimentistas que assumem um caráter de neutralidade do ente estatal e que consideram que essa estatalidade fosse suficiente – quando conduzidas sobre as políticas desenvolvimentistas – para guiar a nação à prosperidade. Nesse entendimento, os êxitos econômicos dependeriam de um Estado fortet, que transcenderia o conflito social por meio da repressão dos atores que fomentam a luta de classes e incorporando aqueles considerados verdadeiramente nacionaisu e preocupados com o aprimoramento das instituições político-jurídicas e corporativas da nação.41
u É aqui que o papel dos ‘nacionalismos’ passa a ser reconduzido de um ponto de vista revolucionário para um ponto de vista reacionário.
t É neste ponto que a ideia de Estado forte rapidamente se confunde com um Estado Autoritário.
É sob essa concepção desenvolvimentista-estadistav que o fascismo latino-americano procurou promover um Estado corporativista forte e autoritário como regulador da vida socialw.42 Esse sistema rejeitou a política partidária e outras mediações institucionais típicas da democracia burguesa representativa. Em vez disso, os órgãos sociais corporativos foram os veículos de integração social dentro da entidade orgânica da nação, medida tomada para evitar conflitos baseados na participação política regulada da população. Os sindicatos, as universidades, a Igreja e as Forças Armadas são alguns dos atores e espaços convocados para a construção do Estado-nação de corte fascista, que, paradoxalmente e diferentemente dos casos europeus, não constrangeu a democracia, mas a expandiu, gerando um amálgama entre ‘avanço democrático’ e ‘incorporação tutelada’. Assim, em termos funcionais, o fascismo periférico é um novo espaço de representação e inclusão para os excluídos do sistema que visam, quando incluídos, a reproduzir os ritos, os processos e a ordem institucional, e não a rompê-la.41
w Um caso polêmico, e, ainda, com poucos dados historiográficos, é o caso da Era Vargas no Brasil.
v Não ignoramos que a base do pensamento econômico que deu origem às teses desenvolvimentistas cepalinas já considera o Estado, na América Latina, como o responsável pelo impulso industrializante que, em tese, retiraria a região do “atraso”. Contudo, para deixar mais evidente o papel do Estado (capitalista) é que recorremos ao termo criado por nós: ‘desenvolvimentista-estatista’. Apoiamo-nos, também, na ideia de que o desenvolvimento (como palavra aleatória) precisa de um qualificador. Desenvolver ‘o quê’? Em qual direção? Entendemos, por fim, que é possível um desenvolvimento latino-americano sem o papel do Estado capitalista, e isso deveria ocorrer no sentido de desenvolver outro modo de produção de base autônoma e antiestatal.
Sendo assim, os que são incluídos, mas que se rebelam contra o Estado – uma minoria ínfima –, são considerados ingratos ou, ainda, “traidores”. Cabe, legitimamente, ao Estado, então, a limpeza dos traidores, pois passam a ser identificados como inimigos da nação, razão pela qual a violência adquire um caráter sagrado. É por isso que, nos fascismos periféricos, exaltar a violência como uma ação em um sentido revolucionário e purificador é um mecanismo simbólico frequentemente recuperado. Para os fascistas que conduzem o Estado, o sentido de “revolucionário” é evocado como expressão máxima da vontade política de mudar as injustiças. Já o sentido de “purificador” emerge como tentativa de usar o Estado para redimir a sociedade de seus pecados de origem – reconhecida como lugar de mestiços, desertores e apátridas –, visando a homogeneizá-la. A violência estatal torna-se, então, uma ferramenta libertadora contra os males responsáveis pelo declínio nacional. O comunismo e as minorias nacionais ou étnico-religiosas passam a ser os ‘bodes expiatórios’ responsáveis pelo atraso nacional e cuja presença deve ser eliminada.41
Tanto na Europa como na América Latina, o paramilitarismo foi estabelecido como uma organização básica do fascismo destinada tanto a incorporar as massas ao projeto nacionalista quanto como instrumento para alcançar a purificação da violência. A formação de unidades paramilitares é um sintoma da preocupação dos fascistas em construir uma base social para legitimar seus projetos, ao contrário do que pensa a oligarquia conservadora que teme as massas. Dentro da estrutura organizacional desses grupos, era prioritário estabelecer milícias que, por meio de demonstrações de força e violência, expressassem a vontade de transformar a nação decadente. A violência paramilitar surge como o meio que articula a violência no nível social, permitindo a reorganização das relações sociais a partir da unificação do ‘nós’ e da aniquilação do ‘outro’. Não se pode perder de vista que essa luta pela hegemonia que o fascismo empreendeu não foi apenas política, mas, também, cultural devido à pretensão de construir um novo mundo.
O “núcleo duro” do fascismo latino-americano foi constituído por uma série de elementos herdados do conservadorismo oligárquico e do senso crítico dos tempos do liberalismo e do comunismox. O nacionalismo na América Latina excluía aqueles classificados como inimigos dos valores e tradições históricas coloniais que rememoram o passado clássico europeuy. Assim, a defesa de um estatismo forte e corporativo esteve intimamente ligada ao nacionalismo como meio de superação do conflito social, percebido como uma das consequências notáveis dos males que a modernidade produziu com seu questionamento da ordem e das hierarquias, princípios que no pensamento conservador são criadores de coesão e da harmonia na comunidade.41
y Que perdura até hoje. Quem não conhece alguém na América Latina, especialmente de classe média, que resgata sua linhagem europeia como forma de valorizar sua família em termos de tradição? Por exemplo, os sobrenomes europeus de parte da classe média brasileira apontam neste sentido, e, é muito comum nos setores sociais facilmente fascistizados – universidades, judiciário, entre outros – ao apelo à tradição europeia como forma de despertar um nacionalismo que mimetize esta história.
x O integralismo no Brasil foi um dos casos mais expressivos.
Há uma última característica própria da categoria Estado quando pensamos no fascismo latino-americano. O Estado passa a ser o espaço onde começam as trajetórias políticas de vários personagens que serão figuras notáveis da direita e da esquerda latino-americana durante anos – inclusive nos anos da Guerra Fria. As experiências fascistas representaram um vaso comunicante entre duas épocas, marcadas pela radicalização da política, das ideologias e do agravamento da violência, esta última expressa nas lutas armadas da esquerda revolucionária e nos complexos sistemas de aniquilação elaborados pelo Estado e pelos setores conservadores que os sustentavam. Essas conversões a terrenos políticos que, em abstrato, são vistos como inconciliáveis convidam-nos a pensar no fato de a direita e a esquerda terem elementos ideológicos comuns que lhes permitem criar pontes entre si, sendo recorrente que naqueles anos estiveram unidas pelo ódio à oligarquia, ao nacionalismo econômico e à necessidade de fortalecimento do Estado.41
Quando pensamos a categoria ‘democracia’ e sua relação com o fascismo, é necessário ter em mente o que se entende por democracia. Grosso modo, a democracia pode ser entendida desde a sua expressão como regime político – democracia enquanto procedimento eleitoral, traduzida pelo sufrágio universal periódico –, que é, portanto, uma visão mais restrita. Ou de modo mais ampliado, em que é reconhecida como uma democracia social – participação ampla das classes sociais nas decisões institucionais cotidianas e acesso ao sistema de garantias constitucionais de maneira diuturna e completa, vivenciando-as rotineiramente em forma de direitos sociais.
Ambos os sentidos sobre a democracia se tornam altamente ameaçados/restringidos ou apresentam-se ‘em suspenso’ em tempos de fascismo. Contudo, aquilo que aparece como especificidade latino-americana da democracia em tempos de fascismo diz respeito à ligação às mediações partidárias realizadas entre Estado-Sociedade para operacionalizar a democracia. No sentido restrito de democracia, um de seus objetivos foi a tentativa de construir ‘partidos de massa’ capazes de participar no campo eleitoral com o propósito de expandir sua base social em nível nacional. Essa dificuldade se deu pelo fato de que a incursão dos fascismos latino-americanos na política eleitoral (portanto, partidária) não podia ter o mesmo corte eugênico que teve na Europa, na medida em que a sociedade mesclada latino-americana contrariaria o seu discurso, além de desaprovar a inclusão na democracia partidária de classes sociais ditas “subalternas”. Esse é um bom exemplo de suas especificidades em relação aos casos europeus, fruto dos dilemas que enfrentaram para entrar ou não nos mecanismos de representação do sistema político institucional-liberal que tanto repudiavam.41
Já no sentido ampliado de democracia, nos fascismos latino-americanos, a noção de democracia se corporifica e se atualiza (e é constantemente reproduzida) na conexão entre totalitarismo de classe, salvação nacional (ou defesa da ordem) por meios autocráticos, reacionários e violentos, e revolução institucional (ou seja, uma dupla ação contrarrevolucionária, que se desdobra simultaneamente, de fato, contra a democracia e, nominalmente, contra o comunismoz).35 É por isso que o fascismo se apresenta como uma reação. O fascismo conseguiu triunfar por causa da inépcia dos governos democráticos, presos a esse impasse. Foi uma resposta à crise, uma reação à democracia incapaz de responder às instâncias de transformação de que a sociedade precisava para superar a situação crítica.4 Por conta disso é que mais uma vez, em países latino-americanos, a relação democracia-fascismo é ainda mais próxima do que nos países de capitalismo central, ao passo que é possível afirmar que, em países cuja via colonial foi a utilizada para transformação da sociabilidade em direção ao capitalismo, a constituição da relação Estado-Sociedade tende a degenerar mais facilmente ao fascismo como em locais onde a transição via revolução burguesa ativa foi mais bem consolidada.
z Isso acontece porque, em regiões onde as instituições jurídicas burguesas ainda não estão bem consolidadas e não foram fruto da luta política de uma burguesia revolucionária, mas, sim, de um processo de “aggiornamento” (atualização, ou reapresentação), o avanço na democratização das instituições soa para burguesia como uma ameaça ao seu poder, já que, para eles, o Estado é seu “patrimônio”. Em outras palavras, a mescla constitutiva entre ‘unidade doméstica’ e ‘unidade de produção’, que deu origem aos Estados Latino-americanos (especialmente, ao brasileiro), demonstra a persistência da lógica patrimonial do Estado pela burguesia, o que significa dizer que quaisquer tentativas de democratizar essa instituição são aproximadas “ideologicamente” como uma ação socialista ou comunista no discurso. Mas, de fato, trata-se de uma forma sofisticada de interdição à institucionalidade democrática burguesa, que se traduz nos dias de hoje no pouco acesso ao ensino superior das classes subalternas, no pouco acesso das mulheres a mandatos partidários etc.
Outra categoria necessária ao debate sobre os fascismos latino-americanos é o que se considera como ‘características domésticas’ de cada país. Sendo o fascismo um recurso excepcional do domínio burguês, como forma de Estado de uma certa configuração das relações de classe, o fascismo tendeu a ser interpretado de maneira formalista por parte da esquerda. Isso gerou uma compreensão de que o fascismo nos países latino-americanos era algo que poderia ser reproduzível em qualquer formação social capitalista, independentemente do seu grau de desenvolvimento. Assim, como afirma Borón,43 alguns trabalhos consideravam, por exemplo, que os regimes instituídos por Somoza, na Nicarágua, em 1928; Trujillo, na República Dominicana, em 1929; Stroessner, no Paraguai, em 1953; e Duvalier, no Haiti, em 1953, poderiam ser um certo tipo de “fascismo primário”, que era:
[...] suscetível de florescer nas sociedades arcaicas durante o período inicial de crise do sistema de dominação norte-americana na América Latina, enquanto nos países de desenvolvimento capitalista mais avançados verifica-se que a resolução da referida crise gerou o que aconteceu no chamado “neofascismo”, ou seja, um fascismo mais elaborado e moderno como o que ocorreu no Brasil (1964), Uruguai (1972), Bolívia (1973), Chile (1973), e aquele que tenta se impor na Argentina e em outros países em meio a sangrentas batalhas contra as forças democráticas [tradução nossa].43(48)
Vejamos: essas ditaduras que foram abordadas por diversas nomenclaturas diferentes (“fascismo dependente”, “neofascismo”, “burocrático-autoritário”, “nacional-estatismo”, “ditaduras burocrático-militares” etc.) situam-se em uma fase diferente da evolução do monopólio capitalista, que não encontra semelhança absoluta à fase de capitalismo imperialista caracterizada por Lenin. Mesmo Lenin estando correto em sua análise à época, as mudanças produzidas na acumulação capitalista pós-1970 afetaram tanto as metrópoles do sistema – principalmente, os Estados Unidos – quanto suas periferias. Em primeiro lugar, cabe mencionar a emergência do grande conglomerado transnacional, cujas complexidade interna e dimensões sem precedentes na história anterior do capitalismo nos colocam diante de um fato novo que corrige as análises de Lenin. Por exemplo, as corporações monopolistas emergem na economia como unidades autossuficientes para garantir o processo de acumulação, o que modifica substancialmente o papel atribuído ao capital bancário. Outra: os conglomerados internacionais desenvolveram certos esquemas de organização do processo produtivo, que, embora não os imunizem contra as depressões cíclicas do capitalismo, certamente reduzem significativamente sua vulnerabilidade ao ciclo. Ao diversificar os ramos em que a multinacional utiliza sua capacidade produtiva, também reduz os riscos que podem surgir de uma contração da demanda em um determinado setor. Assim, por exemplo, 236 das 1.000 maiores corporações norte-americanas, em 1962, produziam entre 16 e 50 tipos de produtos, cuja natureza abrangia um espectro muito amplo de mercadorias, que iam desde sobremesas, biscoitos e pães fatiados até tecnologia nuclear e equipamentos eletrônicos de telecomunicações. Além disso, as corporações multinacionais maximizam a rentabilidade das operações participando de mercados muito dinâmicos e de um cenário mundial onde, aliado ao seu caráter monopólico imenso, possuem uma massa financeira cujo volume nem sequer poderia ser sonhado pelos clássicos do marxismo. Isso lhes permite suportar, sem grandes perdas, os impactos das depressões e recessões crônicas do capitalismo.43
Em suma, estamos diante de mudanças que tornam necessária a atualização dos modos de funcionamento do capital monopolista no último quartel do século XX, o que, em termos de consideração de uma ‘crise de grande envergadura’ que proporcionaria o terreno necessário ao surgimento do fascismo – como aconteceu no entreguerras –, não se verificava na conjuntura latino-americana. Essas mutações do padrão de acumulação lhes permitiram contrariar fortemente a tendência declinante da taxa de lucro, obtendo superlucros em determinados ramos e países em que essas empresas operam e administrando os preços no quadro de um sistema oligopolista mundial.43 Por isso, ao examinar o fascismo na América Latina, considerar as características domésticas, inclusive partindo-se da dinâmica econômica da região em relação ao mundo capitalista, é essencial para evitar erros de análise. Voltaremos a esse ponto mais adiante.
Ainda, uma quarta categoria deve ser vista com muita cautela quando se estuda o fascismo na América Latina. Trata-se do que se considera como “ideologia” fascista. O fascismo como ideologia; ou, ainda, o fascismo, como ideologia e utopia que persistiu no horizonte, tanto difusamente quanto como poderosa força política organizada, conforme nos aponta Florestan Fernandes.35 Do ponto de vista sociológico, uma nova manifestação do fascismo tende a tomar conta sempre que crises de grande envergadura do capitalismo emergem, mas que, na América Latina, utilizam-se de um processo de ideologização distinto dos países de capitalismo central. Na América Latina, a ideologização fascista apela para os traços palingenéticos das sociedades latino-americanas através da defesa de tendências mais ou menos abertas ou ocultas, de uma versão industrial “forte” da democracia pluralista que contém estruturas e dinamismos fascistas internos.35 Isso remonta muito mais ao papel dos autoritarismos latino-americanos do que necessariamente aos conteúdos do fascismo italiano ou do nazismo alemão, o que faz com que, em terras latino-americanas, as encíclicas fascistas entoadas por discursos e ou versadas em documentos dos fascistas europeus não sejam exatamente as que são usadas para restauração capitalista no sul global.
Por fim, isso tudo não está dissociado do ‘anticomunismo’ que serve de justificativa para a adesão à ideologia fascista. No discurso de “Evitar novas Cubas”, eliminar o “Castro-Chavismo” ou, ainda, de “proteger a nação do mal comunista”, o discurso anticomunista, bem da verdade, visa a retornar um projeto de uma periferia segura e estabelecida, para que o capitalismo se torne o alvo central do padrão composto (internacionalizado e imperializado) de dominação do poder político burguês. A confluência desses processos imprimiu às burguesias dependentes e impotentes da América Latina um papel ativo e considerável na contrarrevolução capitalista, e não um cerco ao comunismo, ambos de alcance global, e trouxe, em contrapartida, uma clara intensificação das tendências de fascistização do Estado, apoiadas por assessorias policial-militares e políticas, recursos materiais ou humanos e estratégias externas (como parte da modernização global).35
Diferentemente do que Bull14 afirma sobre a categoria neofascismo no pós-1945, defendemos que a categoria ‘neofascismo’ é tão plural quanto suas expressões irradiadas no mundo inteiro, sendo, portanto, perigoso não usar um qualificador com essa categoria, correndo-se o risco de gerar ainda mais confusão do que precisão analítica. Assim, enquanto o fascismo clássico assumiu uma versão europeia – original: Itália e Alemanha; e derivada: Espanha, Portugal, entre outros – e uma versão latino-americana – oriunda da ambição expansionista geopolítica do fascismo europeu –, o neofascismo é uma pluralidade múltipla que não necessariamente se relaciona com seu passado fascista em termos de continuidade histórica, mas que, sim, pode ser um fenômeno original em certos países e com muito mais amplitudes que extrapolam a compreensão continuísta.
Somente assim faz sentido a afirmação de Fernandes35 quando, ao falar sobre o declínio dos fascismos latino-americanos e a persistência da defesa do capitalismo na região, deixa subtendida a razão fascista de ser da sociabilidade do capital neste lado do mundo, não descartando que:
[apesar de que o] fascismo perdeu saliência, [ele] não perdeu seu caráter instrumental para a defesa do capitalismo e da crise da civilização industrial capitalista. A América Latina foi toda ela envolvida nessa tendência, porém como “periferia”. Não que a tragédia do centro venha a ser a comédia da periferia. Ao contrário, a realidade melancólica do centro se converte numa realidade suja da periferia.35(16)
Por isso que Fernandes35 adianta que um novo tipo de fascismo ligado às características do capitalismo dependente poderia ocorrer caso assim fosse necessário para o processo de acumulação, dadas as especificidades das formações sociais latinas e suas instituições burguesas. Desse modo, torna-se importante enfatizar a discussão latino-americana do neofascismo que foi atribuída pelos autores desta região.
Logo, partindo-se da premissa de que o fascismo como regime político, por seu caráter histórico e de classe, “é um regime de exceção do grande capital, utilizando métodos terroristas como principal forma de atuação”,44(143) García e colaboradores44 o enxerga como vinculado não apenas à época do imperialismo, mas especificamente à sua crise. O fascismo europeu dos anos 1920 e 1930 é, para ele, produto da grande onda depressiva que vai de 1918 a 1945: essas situações de crise “são as que obrigam a classe dominante, e no caso específico da época imperialista, o capital financeiro, a buscar um ‘regime de exceção’ para impedir as consequências do desequilíbrio de conjunturas revolucionárias que as crises estabelecem”.44(144) A partir de 1966, o imperialismo entraria, novamente, em uma grande onda depressiva, abrindo-se um período marcado não apenas por contrarrevoluções isoladas, mas, sim, um “período que tende a ampliar as ondas contrarrevolucionárias internacionais”.44(145) Nesse sentido, o fascismo não é um problema nacional – apesar de deter características domésticas próprias –, mas um fenômeno internacional, indissoluvelmente conectado à dinâmica de crise internacional da acumulação capitalista e à elevação da temperatura da luta de classes.45 Assim sendo, fatalmente, a América Latina viveria novamente uma onda fascistizante se assim fosse necessário. Logo, faz mais sentido pensar em ‘fascismo e neofascismo’, sejam eles europeus ou latino-americanos em uma chave totalizante.
Nessa lógica de pensar em um ‘neofascismo central’ e um ‘neofascismo dependente’ é que Bambirra e Santos46 identificam nos regimes de exceção do subcontinente ‘aspectos essenciais’46(171) do fascismo enquanto regime político em geral, o que os autoriza a designar tais expressões históricas como fascistas, ainda que sob a adjetivação de dependentes em virtude dos aspectos particulares, não essenciais. Distinguem-se, portanto, tanto dos regimes militares tradicionais quanto dos regimes bonapartistas. Os aspectos essenciais ao fascismo são os seguintes, segundo esses autores: 1) “necessidade de defender desesperadamente o sistema capitalista contra a ‘subversão da ordem’ por parte das classes dominadas” 46(138). Trata-se de uma contrarrevolução diante da ameaça real ou potencial de ofensiva do movimento popular; 2) “necessidade de reprimir sistemática e implacavelmente o movimento popular, de destruir as organizações revolucionárias [...]. A repressão se torna inescrupulosa, sem deixar-se intimidar por veleidades democráticas” [tradução nossa]46(138); 3) A repressão se converte em totalitarismo, “Desaparecendo o conceito de cidadania e de sociedade civil separada do Estado”.46(138) Busca-se interiorizar a ideologia do Estado nos mais recônditos espaços da vida privada, via militarização do conjunto da vida social, especialmente com a formação das novas gerações.45
Logo, nos novos fascismos, especialmente nas democracias burguesas inconclusas, como no caso da América Latina, os golpes de Estado são mecanismos que serão requeridos com maior frequência. A engrenagem do golpe na AL se distingue, para Santos e Bambirra, significativamente dos processos clássicos do fascismo, com rebatimentos sobre o Estado de exceçãoaa que dele emerge. No fascismo clássico, a pequena burguesia radicalizada se converte em força social representada pelo partido fascista, o qual é cooptado pelo grande capital durante o processo de fascistização, sem deixar, entretanto, de manter laços ideológicos e organizativos com sua base tradicional, o que garante condições para um apoio ativo ao regime e para a mobilização permanente, principalmente, da pequena burguesia. No caso latino-americano, Santos afirma que a “pequena burguesia [...] se mostrava insuficiente para liderar um processo fascista”,44(62) o que a incapacita de constituir um movimento forte e uma organização sólida para a tomada do poder.45 “Hoje em dia [...] é o grande capital que mobiliza a pequena burguesia no sentido fascista, utilizando-a como um instrumento de massas; [Uma vez que foi] cumprido os objetivos da tomada do poder e destruição das oposições liberais e populares, foi imediatamente desmobilizado”.44(146)
aa Democracia do Executivo, delegativa e falso “Estado de exceção” podem ser traduzidos em termos marxistas como uma aproximação entre esses conceitos. Trata-se do nível extremo de centralização dos processos de tomada de decisões. A preponderância fatal do executivo e a vigência na prática de uma “ditadura legal” (ou legitimada apenas pela minoria que compõe a sociedade civil) alimentam uma enorme facilidade de usar o aparato normal da democracia burguesa, como se ele fosse um Estado de exceção, ou de passar-se rapidamente, através de “leis de emergência”, para o estado do sítio, a ditadura redentora e o Estado de exceção caracterizado como tal.35
É nesse caminho que parte dos pesquisadores da Teoria Marxista da Dependência – TMD caracteriza os Estados de exceção latino-americanos dos anos 1960 e 1970 como neofascistas ou fascistas dependentes, porquanto (semelhantemente ao fascismo europeu dos anos 1920 e 1930), constituíam-se como o último recurso de dominação disponível à burguesia para salvaguardar o capitalismo acossado pela profunda crise econômica e, principalmente, pela crise política revolucionária. Ademais, o fascismo dependente – tal como o fascismo clássico – não apenas garantiria a sobrevivência do capitalismo, mas também o conduziria a uma nova modalidade de acumulação, marcada pela dominância econômica do capital monopolista, e a uma nova forma de dominação política, expressa na hegemonia do grande capital no bloco dominante de cada formação social latino-americana. Essa parcela de pesquisadores, ao seguir esse caminho, acaba por aderir à leitura da III Internacional Comunista, secundarizando o movimento de massas e a organização da pequena burguesia no conceito de fascismo, imprimindo um “aspecto formal”, particular, cuja inexistência não invalidaria a qualificação de fascista às ditaduras instauradas no Cone Sul, na opinião deles.45,47
Ao se tentar entender o que garante ao neofascismo seu caráter periférico, e, portanto, original, é possível realizar uma crítica ao pensamento de Payne48 e ao que este autor atribui como ‘(neo)fascismo periférico’. Stanley Payne,48 para explicar as razões da fragilidade das experiências fascistas na América Latina, esboça uma série de motivos, entre os quais: a baixa mobilização política, ao contrário da Europa; o caráter não competitivo do nacionalismo, referindo-se à necessidade da existência de um inimigo externo que catalisa a mobilização; a composição multirracial das sociedades latino-americanas, que obscureceram as identidades nacionais em sua reivindicação de homogeneidade radical; a fragilidade da esquerda, que serviu de incentivo, e a condição econômica dependente dos países latino-americanos.41
Estamos de acordo com Torre41 quando o autor sustenta que a interpretação de Payne sobre a realidade latino-americana é limitada por uma visão eurocêntrica da história. Na América Latina, desenvolveu-se em seus discursos e práticas um nacionalismo excludente bastante notório, tornando-se competitivo e militante ao invocar a defesa da nação contra inimigos externos e internos, colocando os Estados Unidos ou os países latino-americanos com conflitos fronteiriços de longa data em primeiro lugar. Da mesma forma, o papel da esquerda na época não pode ser subestimado, pois várias medidas repressivas e autoritárias pretendiam contê-las e erradicá-las. Referir-se à condição capitalista dependente da América Latina é condicionar as experiências fascistas unicamente ao aspecto econômico, correndo o risco de cair em um determinismo que deixa de lado os imaginários socioculturais como variável que lhes deu força. Quanto à escassa mobilização política, basta lembrar que a crise do modelo liberal-oligárquico, quadro contextual em que se insere a emergência do fascismo por essas bandas, foi fruto de suas contradições internas e de uma crescente efervescência social que exigiu maior participação e inclusão política, alcançada em alguns casos por meio de reformas institucionais como resultado da pressão social, como é o caso da Argentina com a Lei Sáenz Peña, de 1912, e o yrigoyenismo, ou através da violência e do conflito civil armado, cujo paradigma da época foi a Revolução Mexicana. Assim, é essencial refutar as teses que negam ou conferem um papel marginal ao fascismo na América Latina, ressaltando que, pelo menos, eles são e têm um caráter original. É possível dizer que houve projetos fascistas periféricos de novo tipo, marcados por um nacionalismo profundamente nativista e excludente que aguçou as tensões políticas da época. A condição de periferia não é adotada em sentido pejorativo, mas para destacar o fato de que não são inteiramente semelhantes aos casos europeus devido às condições da região, que, longe de minorá-los, torna-os fenômenos originais.41
As raízes profundas do fascismo periférico latino-americano podem ser encontradas no surgimento de nacionalismos excludentes em meados e no final do século XIX, século marcado pelo difícil processo de consolidação dos Estados-nação. As elites da época desenvolviam projetos nacionais discursivamente inclusivos, mas que se caracterizavam na prática por mecanismos de discriminação e exclusão típicos das contradições da modernidade, visando a manter uma determinada hegemonia através da diferenciação do outro inferiorizado e desumanizado. Nos casos mais radicais, apelando até para sua morte simbólica e física. Tal contradição é perceptível no trânsito do projeto liberal de nação cívica e de nação civilizada ao aristocrático e excludente do conservadorismo oligárquico, modelo que alimentará futuras experiências fascistas periféricas ao propor que: aquilo que não pode ser assimilado deve ser destruído para o bem dos países em processo de modernização.41
Os fascismos de novo tipo periféricos latino-americanos nascem das críticas à oligarquia e à sua visão aristocrática do mundo, que se desenvolveu dentro do próprio conservadorismo, vendo de dentro dele uma postura mais militante e com um discurso popular que buscava unir as massas excluídas em torno de um novo projeto nacional. O surgimento desse novo fenômeno decorreu da necessidade de enfrentar os dilemas da época, razão pela qual eles têm uma grande sensibilidade, além de preocupação com os problemas nacionais e sociais até então negligenciados. Os projetos dessa direita nacionalista tiveram o impulso de um contexto global crítico do liberalismo e que encontrou no fascismo um modelo norteador para solucionar as mazelas nacionais.41
O hibridismo do fascismo latino-americano nos obriga a analisar o núcleo duro de seu pensamento e práticas a partir de seus fundamentos estruturais, que podem ser divididos em dois campos: os elementos constitutivos que compartilharam com outras experiências de mundo e aqueles específicos que deram sua originalidade local. Para o primeiro, é possível perceber e observar o fascismo como uma ideologia global facilmente aplicável à América Latina. Os temas norteadores formulados por essa ideologia que são vistos na América Latina são o nacionalismo, o estatismo, a importância do conflito social, a limpeza e o paramilitarismo.41
O nacionalismo furioso dos fascistas latino-americanos aparece ao questionar as posições liberal-cosmopolitas das oligarquias, que buscavam no exterior as contribuições do progresso civilizatório como resultado desastroso de conduzir as nações pelo caminho da decadência liberal. Essa visão pessimista do mundo reforçou a defesa do paradigma organicista da nação e da justiça no combate aos males de que sofre. O Movimento Nacional Socialista do Chile – MNS oferece um bom exemplo nesse sentido. Seu nacionalismo foi permeado pelas teses pessimistas que Oswald Spengler49 expressou em “O Declínio do Ocidente”. Em resposta, esse movimento se propôs a salvar o espírito da nação chilena diante de sua infeliz situação, pela qual culpava um inimigo específico: o materialismo judaico. O nacionalismo fascista latino-americano difere dos casos europeus pela diversidade de elementos que alimentaram seus discursos nacionalistas graças ao multiculturalismo que caracteriza a região e que forneceu vários fundamentos para construir sua concepção orgânica e exclusiva de nação.41
Se pensarmos a relação do neofascismo dependente com o regime político, a tendência é de que nos neofascismos latino-americanos os regimes de ‘despotismo de oligarquia’ (através da ditadura pessoal ou da democracia restrita) sejam o suficiente para que essa classe social, por possuir maior estabilidade econômica, social e política ou por dispor de um “excedente automático de poder arbitrário”, possa controlar a mudança na direção de novos regimes políticos, o que os equipa com recursos policial-militares, “legais”, “extralegais”bb e políticas para atender aos interesses estrangeiros sem precisarem recorrer a uma extrema rigidez política ou à fascistização saliente de certas estruturas e funções do Estado.35 Portanto, a segurança de tais interesses, tanto econômicos quanto políticos, podia ser garantida de modo espontâneo, mas eficiente dentro dos marcos “normais” de exacerbação dos elementos autoritários inerentes à ordem estabelecida, já que essa disponibilidade de “reserva de poder arbitrário” defronta-se com pressões definidas no sentido da democratização.35 O que importa é que esse “Estado normal” não é um exemplo de democracia burguesa em seu sentido absoluto ou “devidamente consolidado”, fazendo-nos recorrer a duas compreensões tipicamente latino-americanas sobre o neofascismo: 1) de que as democracias burguesas consolidadas (ou com alta qualidade) nos países latino-americanos são exceções, e não a regra; 2) esse tipo de democracia vivenciada nos países latino-americanos se assemelha mais ao que Demier50 chama de ‘democracia blindada’ à classe trabalhadora do que a uma democracia social de fato. Isso inverte a relação entre regra-exceção de tal maneira que é possível afirmar que, historicamente, na América Latina, a regra da dominação política burguesa são as interrupções – golpescc,30,51 ditaduras –, e a exceção são os momentos de dominação política por meio de estabilidade de democracias incompletas, blindadas (ou de baixa qualidade).
bb Tráfico de influências, parentesco, entre outros, conforme descrito por Miliband.
cc Ao analisar todos os processos de golpes e tentativas de golpes de Estado na América Latina, bem como o avanço de uma nova corrente política peculiar – o neofascismo –, é comum que se negligenciem doispontos fundamentais: 1) ignora-se, em todos os âmbitos, a dimensão estética do problema; 2) tomam-se os objetos de análise individualmente, e não pelo conjunto do todo – seja analisando um processo de um país específico isolado dos outros, seja analisando, mesmo em um processo de um país específico, aspectos desse processo individualmente. Carnut e Mendes defendem, por exemplo, a tese de que o regime político é central na conformação do Estado para reacomodar o novo padrão de acumulação, e, em percurso histórico, de blindar gradualmente a democracia oferecendo cenários de regimes de legitimidade restrita nos quais os fenômenos políticos de Golpe de Estado ajudam na velocidade requerida dessas transições políticas.
Por esses motivos é que se torna possível dizer que há uma falácia em torno da ideia do neofascismo dependente como algo leve. Os dados históricos, anteriormente relatados, não nos permitem dizer isso. Por isso, adotar conceitos derrisórios (como subfascismo ou pré-fascismo), além de ser uma imprecisão analítica, não modifica em absoluto a gravidade da realidade. Esses e outros nomes não se aplicam à contrarrevolução organizada política e militarmente pelo neofascismo dependente e às suas implicações políticas tão complexas e destrutivas, que não encontram precedentes, em termos da combinação entre dissimulação social genética e violência institucional sistemática, em nenhum lugar do mundo.35
Até este momento, as semelhanças e diferenças entre fascismo e neofascismo foram ressaltadas. Em que pese que estes fenômenos tenham semelhanças incontestes, os tempos históricos definitivamente são outros. Contudo, se identificarmos com calma os movimentos da sociedade e suas classes – em termos de luta e dominação – há uma lógica interna que os assemelha com muita proximidade.
As categorias que devem ser revistas no âmbito da América Latina para explicar ambos – tanto o fascismo como o neofascismo – ressaltam o quanto a realidade local deve ser considerada em suas próprias contradições. Não obstante, isto se refletiu nas críticas realizadas pelos autores marxistas latino-americanos – em especial Fernandes e demais autores da TMD como Bambirra e Santos – que defendiam a especificidade do fenômeno na região. Estes autores abriram espaço para uma análise crítica desde o olhar latino-americano – recuperado aqui na crítica de Torre à Payne – evitando assim importações mecânicas, mas sem desconsiderar a apreensão do fenômeno dentro da nossa condição de inserção no mundo capitalista.
No segundo artigo deste tríptico, vamos continuar compilando o debate, mas desta vez, demonstrando como o acúmulo histórico desta discussão irá ter repercussões no caráter controverso do termo neofascismo para pensar a América Latina, tornando esta categoria herdeira deste dissenso.
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